A residência em Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS) é um aperfeiçoamento do trabalho do arquiteto e urbanista, cuja formação profissional multidisciplinar se volta à pós-graduação especializada em habitações de interesse social. Dados os últimos acontecimentos que implicam diretamente com o direito à moradia, especializar a categoria em ATHIS demonstra a necessidade de impulsionar iniciativas voltadas à habitação por meio das residências.
Podendo atuar nas mais diversas áreas, o arquiteto e urbanista pode prestar seus serviços a instituições públicas, universidades, organizações não governamentais, escritórios, cooperativas, associações ou até de forma autônoma enquanto profissional liberal, com atividades regulamentadas pela Lei 12.378/2010.
Segundo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), em levantamento baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 1.049 habitantes para cada arquiteto e urbanista no país inteiro. Isto é, o Brasil tem mais de 60% de sua produção habitacional realizada sem a orientação de um arquiteto, urbanista ou engenheiros, o que evidencia o pouco fomento da modalidade por parte do poder público.
Dada a pouca participação dos órgãos de planejamento municipais, metropolitanos e estaduais para realização de ações, acaba por acentuar um cenário já escasso pela falta de profissionais capacitados para atuação nessas áreas.
Logo, a capacitação para arquitetos e urbanistas ofertada nos cursos de pós-graduação possibilita que os profissionais forneçam assistência técnica às comunidades locais. Em equipes interdisciplinares, que inclui as áreas de geografia, serviço social e engenharia, a residência em Habitação Social promove a participação comunitária, figura central para o melhoramento do ambiente construído, onde sua realização contribui para a efetivação do direito à moradia digna, do direito à cidade e da redução das precariedades em territórios vulneráveis, como favelas e terras rurais.
A dura realidade de uma sociedade desigual dificulta o acesso de populações vulneráveis aos elementos ao desenvolvimento urbano, como terra, moradia e melhoria habitacional. A atuação com ATHIS é a oportunidade de transformar a realidade das cidades, assim como contribuir para o desenvolvimento social.
Quanto à moradia digna, o objetivo da residência em ATHIS é a criação de ambientes seguros e saudáveis para famílias em situação de vulnerabilidade a fim de que consigam se desenvolver e ter acesso a melhores condições de vida. Com uma moradia adequada, há a melhoria da saúde, das condições físicas, além do despertar da consciência social.
Paolo Pellegrino, presidente do Sindicato dos Arquitetos do Estado da Bahia (Sinarq/BA) e secretário de Organização e Formação Sindical da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), afirma que “temos que destacar as políticas de melhorias habitacionais que o poder público promove para além do Minha Casa Minha Vida. Por exemplo, em Salvador, tem-se um escritório público que trabalha com melhorias habitacionais; algumas cidades do Brasil têm esses espaços que proporcionam esse tipo de serviço, que é difícil encontrar na iniciativa privada”.
“Me formei na primeira turma da residência da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Assistência Técnica e Direito a Cidade, cujo foco é a produção de assistência técnica para a habitação e interesse social. Então tem tanto a assistência técnica no âmbito das reformas, das melhorias habitacionais, quanto a produção de novas habitações e a melhoria dos espaços urbanos, que também é muito importante. O direito às cidades, ela se dá nessa questão da melhoria dos espaços públicos”, adiciona Pellegrino quanto à sua experiência em ATHIS.
O profissional também ressalta que, por meio da Residência em ATHIS “há a questão de incentivo à produção das entidades, as entidades populares, movimentos populares. É um tema que tem crescido muito, inclusive que a FNA tem discutido frequentemente”.
Para o coordenador da Residência em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Professor Samuel Steiner dos Santos, que participa do desenvolvimento do projeto Periferia Viva na Comunidade Frei Damião, “as escolas de Arquitetura e Urbanismo do país têm formação na graduação e pós-graduação permanece majoritariamente vinculada a um número limitado de temas”.
“Abordagens relacionadas à espaços públicos de lazer em áreas privilegiadas da cidade, grandes equipamentos culturais, espaços de moradia, de estudo e de trabalho direcionados à realidade dos estratos economicamente privilegiados da sociedade, dentre outras temáticas são constantes no currículo, mas não suprem a diversidade de demandas presentes no tecido social e urbano”, acrescenta o coordenador.
Claudia Elisa Poletto, vice-presidente do Sindicato dos Arquitetos do Estado de Santa Catarina (SASC), destaca que a crescente procura por residência está ligada a “ações que visam impulsionar o mercado de trabalho dos profissionais, o conhecimento e aplicação desse direito junto ao poder público. Além desses atores envolvidos, o principal de todos, a demanda social, corrobora nessa tríade de atuação, bem como os arranjos possíveis envolvem a sociedade civil organizada, por meio de associações, fundações e instituições, com ou sem fins lucrativos”.
“O fortalecimento de políticas de habitação social e programas governamentais, de nível federal a municipal, voltados para a inclusão e redução das desigualdades habitacionais, motiva profissionais a se especializarem nesse campo”, aponta a arquiteta e urbanista.
Steiner ressalta que a importância da residência em ATHIS está fundamentada na demanda social pois “percebe-se que há uma intensa prática da arquitetura e urbanismo fundada na colonização do conhecimento e das análises, o que nega uma diversidade sociocultural, sem a qual não é possível compreender o Brasil”.
Parte dessa diversidade, muitos outros fatores também colaboram para que o fomento da experiência prática traga mais profissionais para exercê-la de forma a ajudar as pessoas na luta pela garantia da moradia digna como o desenvolvimento e oportunidade profissional, o desenvolvimento comunitário, as políticas públicas, a interdisciplinaridade, a sustentabilidade e a promoção de justiça social, como conclui Claudia:
“Preocupados com o impacto ambiental e social, muitos profissionais não concordam com os modelos predatórios de construção e modernização das cidades e geralmente não encontram respaldo e oportunidades nas cidades formais, legalizadas e abastadas. Com uma visão mais humanizada da cidade, defendem uma urbanização que priorize o bem-estar das pessoas e a justiça social, se posicionando em defesa de abordagens mais sustentáveis e inclusivas.”
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil