O trabalho voluntário faz parte do reforço à função social dos profissionais de arquitetura e urbanismo. Por meio desta ação, é possível estabelecer conexão com as comunidades e movimentar as discussões sobre habitação com a participação dos diversos setores da sociedade. Sua importância está em fornecer ajuda nos momentos de crise e contribuir para a construção de um ambiente mais resiliente.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) aprovou a destinação de R$ 1 milhão para ações emergenciais realizadas no estado do Rio Grande do Sul por meio da Assistência Técnica de Interesse Público (ATIP). Esta iniciativa de trabalho voluntário possibilitou que os profissionais credenciados realizassem laudos técnicos para avaliação de imóveis nas áreas mais afetadas. No momento, estão sendo definidas prefeituras a serem contempladas pela Assistência, como o município de Canoas, na região metropolitana da capital gaúcha.
Ações como esta demonstram o compromisso da categoria em oferecer apoio efetivo à população, auxiliando a comunidade e proporcionando aos arquitetos e urbanistas aprendizados para a vida toda por meio da escuta ativa nas demandas de quem pertence à cidade.
A mobilização para o voluntariado é importante em momentos críticos. Neste momento, contudo, é necessário que os órgãos públicos se mobilizem para realizar atendimento às famílias, garantindo moradia com a participação dos arquitetos.
Segundo Andréa dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), “ser voluntário amplia os momentos de solidariedade, nos quais as entidades sindicais sempre estarão participando de ações que permitam uma vida melhor às pessoas. Mas também, enquanto entidade sindical, não podemos deixar de nos preocupar e zelar pela garantia dos direitos desses profissionais”.
De acordo com a arquiteta e urbanista Adriana Garcia, para aproximar arquitetos urbanistas recém-formados do voluntariado, é necessário “adquirirem mais experiência em catástrofes e conhecerem a realidade de milhares de vidas de trabalhadores e desempregados que vivem em situação de pobreza extrema”.
Adriana participa de dois grupos voluntários: O Projeto ReCasa e o Conecta Ação. Ela conta que funcionárias de instituição hospitalar iniciaram o grupo convidando arquitetos voluntários e pessoas conhecidas. O grupo hoje tem 350 famílias inscritas e 700 voluntários. São feitos levantamentos das edificações, registradas as condições dos imóveis e elaborados planos de ação para recuperação e/ou reconstrução. No momento, o ReCasa vem tentando conseguir apoiadores e financiadores para seguir enquanto projeto.
Já no Conecta Ação, Adriana faz parte da comunidade de Planejamento Urbano. O grupo voluntário contribui com proposta de projeto do Centro Brasileiro de Planejamento (Cebrap) para o Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal (FSA/CAIXA). Caso o projeto seja contemplado pelo fundo, haverá a possibilidade de trabalhar junto às comunidades afetadas pelos eventos climáticos recentes.
A arquiteta Nadiane Fontes Castro, responsável pelo projeto Tekôa Arquitetura Popular, conta que a atuação voluntária funciona da seguinte forma: “todo projeto social e/ou coletivo entra no sistema de forma voluntária, porque entende-se que o projeto também serve para a mensuração da captação de recursos”. Por meio dessas ações voluntárias, o Tekôa também é uma forma de inserção do arquiteto no mercado de trabalho.
“Então, se tem alguma organização social, algum projeto comunitário que irá reformar, precise melhorar o espaço, adaptar o espaço, é desenvolvido esse trabalho de uma forma voluntária inicialmente, para que posteriormente se possa fazer o processo de captação de recursos e, claro, nem sempre a gente consegue captar o recurso proporcional ao tempo investido, vamos colocar assim, pelo escritório. Então, essa diferença fica como um trabalho desenvolvido 100% de forma voluntária e é assim que a Tekôa tem trabalhado hoje, também organizado oficinas com voluntários para passarem adiante essa monitoria e o ensinamento”, explica Nadiane.
Quanto aos aspectos fundamentais para que a categoria auxilie numa reconstrução eficiente, Adriana que participou de diversos projetos urbanísticos, incluindo o Guaíba Vive da orla do Guaíba, em Porto Alegre, adiciona que “é essencial projetar novas áreas urbanas para realocar essas famílias que vivem em áreas de risco preservando os ecossistemas naturais; as cidades precisam ser projetadas para enfrentar os desafios climáticos, como chuvas intensas e inundações. Isso envolve o uso de infraestrutura resistente, sistemas de drenagem eficientes e a criação de áreas de escape seguras”.
No auxílio à retomada da qualidade de vida de pessoas desalojadas e desabrigadas, o voluntariado também traz questões importantes como o apoio psicossocial, o engajamento comunitário, a capacitação, educação, sustentabilidade e resiliência facilitam os processos participativos que envolvam os moradores nas tomadas de decisões sobre o planejamento urbano pós enchente. Promover práticas de construção sustentável e o uso eficiente dos recursos e medidas de redução de desastres também fazem parte de ações de voluntariado para diminuir o impacto de futuras enchentes.
Contudo, considerar as questões de inclusão social e racial, além do pertencimento, torna a ação dos arquitetos muito mais efetiva, complementa a profissional:
“A reconstrução deveria considerar as desigualdades socioespaciais. Populações de menor renda costumam viver em áreas mais vulneráveis aos desastres climáticos. É importante garantir que todos tenham acesso a moradias seguras. Pois, ao propor realocar pessoas afetadas, é necessário preservar suas memórias e histórias associadas aos territórios. A reconstrução não se trata apenas de construir novas casas, mas também de respeitar as vidas e passado dessas pessoas. Ao meu olhar, essa é a parte mais difícil de conseguir deslocar essas pessoas para áreas mais seguras. A maioria reluta e não quer sair, por isso é importante o poder público estar atento e não deixar ocupar, porque depois que isso acontece a remoção é uma luta gigante.”
Andréa Ilha, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS), em carta publicada pela instituição, afirma que “precisamos de cidades planejadas, respeitando a sua geografia e o meio ambiente, e regiões metropolitanas que funcionem de modo articulado e eficaz. Para isso, é absolutamente necessário manter um serviço público de qualidade na área do planejamento urbano e regional.”
“Temos que levar em conta que as emergências, em maior escala, e em extensões menores ou maiores, podem acontecer em qualquer lugar, mas que tragédias como as que estamos vivenciando são consequências de má gestão. Acreditamos ser urgente que as diferentes escalas do poder público estejam atentas e preparadas para lidar com a eminência de desastres ambientais desta magnitude em seus territórios”, conclui.
Foto: Agência Brasil