Direito à moradia e o Poder Público na garantia da qualidade nas construções

Recentemente tivemos a triste notícia do desabamento de uma casa de três pavimentos no Morro da Cotia, no Complexo do Lins. É importante ressaltar que este não é um fato isolado. A consolidação do espaço urbano no Brasil revela que a questão da moradia é ainda uma das maiores e mais complexas problemáticas das nossas cidades. Enfrentamos um grande desafio de dimensões políticas e socioeconômicas que se agrava a cada ano.

Morar com qualidade ainda parece um artigo de luxo. Enquanto alguns privilegiados conseguem contratar técnicos em edificações, engenheiros civis, ambientais e arquitetos para suas obras, a grande maioria dos trabalhadores mais pobres não tem condições financeiras para acessar esses serviços. Assim, a autoconstrução ou construções precárias são a única alternativa para garantir um teto sobre suas cabeças.

Segundo pesquisa DATAFOLHA e CAU-BRASIL realizada em 2022, “Dentre 50 milhões de brasileiros que já fizeram obras de reformas ou construção, 82% não contrataram serviços de profissionais tecnicamente habilitados, arquitetos ou engenheiros”.

As implicações do distanciamento desses profissionais das construções do cotidiano são diversas: desabamentos (como o ocorrido), estruturas condenadas por intempéries, problemas decorrentes da falta de cálculo estrutural, exposição e oxidação de ferragens, estufamento de ladrilhos, infiltrações, impermeabilização mal-feita, flambagens, ventilação natural precária (aumentando o índice de doenças respiratórias), instalações elétricas mal elaboradas (aumentando o risco de incêndio), hidráulicas e sanitárias feitas de forma incorreta.

As questões se agravam mais ainda em uma realidade de desigualdade urbana como a vivida no Rio de Janeiro. Vivemos questões específicas que exigem um programa robusto com olhar técnico especializado e multidisciplinar.

Segundo a pesquisadora Luciana Ximenes e Samuel Jaenisch do Observatório de Metrópoles: As favelas Rio se caracterizam por terem a maior densidade demográfica dentre todos os municípios da Região Metropolitana (257 hab/ha) e por possuírem uma alta taxa de verticalização, sendo que, em média, 24% dos domicílios possuem três pavimentos ou mais, 59% possuem dois pavimentos, restando 17% com apenas um pavimento.

Morar com qualidade e dignidade é um direito constitucional universal, e é dever do Estado garantir que aqueles que não têm condições de contratar um arquiteto pela via direta possam ter acesso a esses serviços especializados.

Democratizar a prestação de serviços em arquitetura e urbanismo trará benefícios diretos para milhares de famílias, para o conjunto da sociedade e para nossas cidades, além de gerar economia no setor público e dinamizar a cadeia produtiva da construção civil.

Por isso, é necessário criar um sistema capaz de massificar os processos respeitando a esfera pública e democrática do direito à cidade. Devemos aprender com ações como Favela-Bairro, Morar Carioca, entre outros. Citamos aqui uma política de grande valor: precisamos revisitar a experiência dos POUSOs, otimizando os pontos positivos e corrigindo os negativos e integrando ao funcionamento da estrutura, o conceito de Assistência Técnica amparado pela lei.

Defendemos a criação de uma instância pública, com profissionais concursados da área da Arquitetura e Urbanismo e demais setores da construção civil, somados a agentes comunitários e assistentes sociais. O órgão, que funcionaria como uma defensoria pública, estaria associado às secretarias municipais de urbanismo, a fim de fazer cumprir a lei da Assistência Técnica.

Seus respectivos servidores seriam responsáveis por acolher os requerimentos da sociedade civil em comprovada situação de vulnerabilidade econômica no âmbito das suas necessidades em construção, e pensar a assistência técnica no âmbito de três escalas: familiar, comunitária e de Estado.

Caberia a esta instância dar os primeiros acolhimentos e soluções para dignidade habitacional dos moradores e levar a instancias superiores do poder público demandas urgentes como saneamento do território, criação e manutenção de praças, entre outros.

Retomar o caráter do arquiteto como um servidor da sociedade e um elo entre as comunidades mais vulneráveis e as esferas públicas de poder trará benefícios a todas as camadas da população brasileira. Seriamos capazes de reduzir as mazelas e riscos que a desigualdade social e espacial cria nas cidades e desonerar o Estado em gastos emergenciais que são realizados a cada tragédia que nos assola ao mesmo tempo em que mitigamos o sofrimento que as populações mais pobres enfrentam na luta diária pela sobrevivência.

João Ricardo Serafim
Presidente da Associação de Moradores de Vigário Geral
Luana S. Barreto
Presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro (Sarj)
Rodrigo Bertamé
Tesoureiro do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro (Sarj)

Fonte: Artigo publicado originalmente no portal Notícia Preta.
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

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