ComCat: a força da mobilização coletiva pelo planejamento urbano nas favelas

Compreender as cidades como ecossistemas, respeitando as pessoas, suas construções e o local em que vivem é o que move o trabalho da Comunidades Catalisadoras (ComCat), do Rio de Janeiro (RJ). O projeto, que atua na capital carioca desde 2000, busca incluir a arquitetura popular nos processos de inclusão e desenvolvimento do planejamento urbano. “O urbanista precisa dedicar seu olhar às favelas brasileiras. E por respeito à natureza destes territórios, que só aumentam em complexidade com o tempo e variam profundamente de uma para a outra, não podemos impor soluções de fora para dentro. Os moradores das favelas devem estar empoderados e potencializados para que possam determinar o desenvolvimento futuro dos seus territórios”, explica a fundadora e diretora-executiva da ComCat, Theresa Williamson. 

É por entender a sua importância e a necessidade de olhares mais atentos, que o projeto concentra sua atuação nas periferias do Rio, não atuando diretamente em outras regiões. A missão, conforme Theresa, é a de quebrar as barreiras que impedem o desenvolvimento integral e a realização do pleno potencial das favelas, através da atuação em rede voltada para o desenvolvimento desses territórios. “Nos fundamentamos no controle comunitário dos processos de decisão, tendo como ponto de partida as demandas, soluções, desafios, vontades e ativos locais na visão dos mobilizadores e moradores das próprias comunidades. Com elas construímos projetos que fortalecem a todos coletivamente e mutuamente. E convidamos todos os que entram em contato, desde voluntários individuais a grandes instituições, à entrarem na rede de apoio”, explica.

Do que é feito a ComCat?
As consequências deste movimento coletivo ganham uma dimensão gigante quando observados os impactos de seus programas, como a Casa do Gestor Catalisador, que foi reconhecida pela ONU Habitat em 2006 como modelo a ser adotado em outras cidades. Com posto de telecentro e espaço de convívio, atendeu a mais de mil articuladores de mais de 200 favelas, entre 2003 e 2008, na Região Portuária do Rio.

Outro exemplo é o site RioOnWatch, projeto de comunicação popular bilíngue que surgiu em resposta às remoções que aconteceram no Rio de Janeiro no período pré-Olímpico, em 2010. “Vimos favelas consolidadas da nossa rede passando por ameaças por conta do preconceito da sociedade casado com a vontade do poder público de se aproveitar dos mega-eventos para realizar remoções, não só arbitrárias, mas contra-producentes para o desenvolvimento da cidade”, lembra Theresa, ao acrescentar que foi possível influenciar na visão do público internacional e até impedir e diminuir os impactos em certos processos de remoção.  

Na lista de destaques, também está a Rede Favela Sustentável, que nasceu na Rio+20, quando a ComCat rodava o filme “Favela Como Modelo Sustentável”. De lá pra cá, são realizadas diversas ações em 11 eixos temáticos, que já se transformaram em uma carta-compromisso e debate entre os candidatos à prefeitura em 2020. Por conta da Rede, foram instaladas infraestrutura verde nos territórios periféricos contendo biossistema, energia solar e teto verde, e foi desenvolvido o relatório “Justiça Hídrica e Energética nas Favelas: Levantando Dados Evidenciando a Desigualdade e Convocando para Ação”. 

O Termo Territorial Coletivo (TTC) é outra conquista da organização e nasceu em resposta às remoções e em busca de uma solução que gerasse a regularização sem a especulação. A primeira lei com termo no Brasil já é realidade no Plano Diretor de São João de Meriti (RJ) e quatro comunidades-piloto visam implementar o modelo no Rio de Janeiro. 

Além do Painel Unificador das Favelas, que surgiu na pandemia da Covid-19, por falta de ação do poder público, unindo esforços de 24 coletivos catalogando e respondendo aos casos da doença. “#DadosSalvamVidas foi o lema do projeto, que conseguiu cobrir 75% das moradias em favelas em toda a cidade, com apoio da Fiocruz, e mostrar o descaso total da prefeitura com as comunidades. Os dados podem ser acessados em www.favela.info.

Como uma rede colaborativa, a estimativa é de que a ComCat já tenha impactado a maior parte das favelas no Rio de Janeiro. “Diretamente estimo que já trabalhamos com mais de 2.500 lideranças de favelas ao longo dos 22 anos. Nos anos da Casa do Gestor Catalisador, em cinco anos, foram mais de 1.200. De lá para cá os trabalhos só cresceram. A Rede Favela Sustentável, por exemplo, contempla 377 integrantes registrados com 120 projetos em 183 favelas da Grande Rio. O Painel Unificador chegou a articular mais de 50 coletivos diferentes e cobrir 450 territórios. Já o RioOnWatch conta com dezenas de comunicadores influenciando os leitores que levam os assuntos, debates e pautas das comunidades para as suas vidas. As coberturas e notícias são lidas por pessoas em mais de 180 países entre seus 75 mil de leitores mensais”, afirma Theresa.

Toda essa conquista só faz aumentar os objetivos do ComCat, e a coordenadora da organização avalia como positivas as perspectivas para os próximos anos. “Iremos lançar o aplicativo ‘SOS Água e Luz’ para monitorar o direito à luz e água nos territórios de favela, começando pelo Rio de Janeiro, mas com aplicabilidade nacional. Vamos desenvolver um grupo de jovens aprendizes dentro da Rede Favela Sustentável, trazendo novas energias e visões aos projetos. E muito mais, a ser desenvolvido com os nossos parceiros”, projeta. 

Coletividade é potência
“A ComCat é uma missão de vida para nós que atuamos na equipe e vários de nossos parceiros”, diz Theresa, ao acrescentar que sua motivação é ver um mundo plenamente desenvolvido, onde todos se sintam realizados e potentes, agindo em prol do coletivo. A organização ainda destaca a importância dos profissionais que atuam pela causa, como advogados, historiadores, sociólogos e os arquitetos. “Estamos todos os dias atuando no planejamento urbano e buscando um caminho para que possa aprender com e complementar o que é construído informalmente e não se sobrepondo a estes processos”, afirma.

Nesta dinâmica e com uma equipe incansável, a diretora relembra que foram duas décadas de trocas e aprendizados, compartilhamento de ideias, contatos e recursos e que as vitórias são de todos que fazem o projeto acontecer. “Jogamos estrategicamente pedras no lago, sem saber exatamente onde as ondulações benéficas chegarão. Mas quem pode dizer melhor quais são nossas conquistas são as lideranças comunitárias com as quais atuamos”.

Conheça mais: 

Rolar para cima