A segregação urbana tem excluído mulheres de fazerem parte efetiva das cidades. Sua falta de participação nas políticas públicas habitacionais – sobretudo das cidadãs periféricas – dificulta o acesso a bens e serviços básicos e contribui para o apagamento e esvaziamento de pautas necessárias que garantam uma vivência digna.
A desigualdade social, principal problema enfrentado por elas, se conecta diretamente com um planejamento urbano que não leva as minorias de raça e classe em conta. O crescimento desordenado dos centros metropolitanos aponta para uma série de problemas, todos partindo do mesmo ponto: as cidades pouco ou não são funcionais às mulheres.
Segundo pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, com base em dados extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE), nove em cada dez mulheres apontam a segurança como principal preocupação quando se deslocam nas cidades.
A relação entre infraestrutura e atendimento das necessidades próprias do gênero feminino, aponta para um planejamento urbanístico de viés masculino, que desconsidera por completo suas questões como, por exemplo, habitação, trabalho e mobilidade. A reprodução desse modelo deixa de lado enfrentamentos vindos da desigualdade social e provocam a exclusão parcial ou total através do ambiente construído das cidades.
Segregar o espaço é diminuir oportunidades de moradia digna, segmentar a busca por emprego, além de reduzir a mulher à figura de cuidadora do lar. Condição que pode piorar quando se fala em vivência periférica. 54% das mulheres responsáveis por domicílios no Brasil se encontram vivendo abaixo da linha de pobreza, grande parte delas nas periferias das cidades brasileiras, conforme dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE do ano de 2019.
O relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) Direito à Moradia Adequada aponta que, ao analisar o conceito de moradia adequada a partir de gênero, é possível identificar aspectos específicos a elas: o impacto dos despejos forçados, precariedade das condições de moradia digna e até mesmo dependência financeira são parte de um processo assimétrico entre homens e mulheres, principalmente daquelas que vivem em situação de pobreza e vulnerabilidade.
A restrição nas relações sociais ocasionada pela pobreza é um dos principais impedimentos à mobilidade que colabora para que não só a pobreza, mas a desigualdade se perpetuem.
De acordo com a arquiteta, urbanista e doutora em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Tuize Rovere, “numa sociedade capitalista e patriarcal, as mulheres ficam marcadas pelas construções de gênero que correspondem aos papéis sociais que elas devem assumir, havendo dificuldade de acesso ao mercado de trabalho formal, crescente precarização do trabalho remunerado, o desemprego e menor nível de renda, violência urbana e doméstica, empobrecimento e como total consequência, a falta de moradia ou precariedade habitacional.”
Nesse contexto, as mulheres acabam sendo empobrecidas e empurradas para a periferia das cidades, seja por busca de moradia mais barata ou pelo acesso às políticas públicas habitacionais, como o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), como contextualiza Tuize:
“Quando se fala em segregação urbana ou precariedade habitacional, se fala em famílias que comprometem grande parte da sua renda com aluguel, famílias que moram em domicílios improvisados ou insalubres, famílias de muitos componentes que moram numa mesma residência sem cômodos suficientes para todos, são essas as famílias que configuram o déficit habitacional brasileiro. E muitos chefes dessas famílias são mulheres, são mães.”
Uma abordagem interseccional no planejamento urbano é fundamental para torná-lo menos excludente. Ela consiste em incorporar demandas e características diversas, que vão além das construções sociais de gênero, contemplando as diferentes formas de habitar a cidade. Abordar como as mulheres constroem suas formas de existir também é ressignificar esses espaços a partir de suas experiências e práticas.
Uma questão fundamental é a representatividade, sobretudo de grupos minoritários, como mulheres negras e população LGBTQIAPN+. Dentre as questões pertinentes ao cuidado, como explica a doutora, as mulheres são invisibilizadas à medida que o contingente de planejadores e executores urbanos é formado majoritariamente por homens brancos heterossexuais:
“A participação de minorias é essencial nos espaços de decisão, planejamento e execução dessas políticas públicas urbanas para que haja uma pluralidade de serviços que atendam a uma pluralidade de pessoas. Isso é fundamental para que a cidade atenda melhor seus cidadãos e cidadãs sendo mais diversa e acolhendo melhor a todos os grupos sociais.”
Um passo importante para construir cidades igualitárias é discutir a pouca segurança em espaços abertos e o assédio em locais públicos, tópico indispensável para combater a violência urbana. A implementação de iluminação adequada em áreas públicas, a construção de espaços de convivência feitos por e para mulheres e a promoção de campanhas de conscientização à sociedade são exemplos de soluções efetivas, como Tuize conclui:
“A arquitetura e o urbanismo têm muito a aprender com o cotidiano das mulheres. Acredito que uma cidade com mais vitalidade que acolha melhor as questões de circulação de pessoas [e de cuidado] no espaço público, automaticamente é uma cidade mais segura para as mulheres mas também para todos.”
Foto: Agência Brasil