Uma pesquisa divulgada em outubro de 2021 pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva, com apoio da Uber e apoio técnico e institucional da ONU Mulheres apontou que 77% das mulheres entrevistadas têm medo de sofrer alguma violência na rua. 69% delas apontam que as maiores preocupações são com cantadas e olhares insistentes. Já 36% falam sobre o medo de sofrer algum tipo de assédio ou importunação sexual. Outro dado que impressiona é que 81% das mulheres ouvidas afirmam já ter passado por alguma situação de violência durante seus deslocamentos diários.
Situações como estas já fazem parte do cotidiano da população feminina e a sensação de insegurança se justifica. No Brasil, a cada quatro horas, uma mulher é vítima de violência, aponta o boletim Elas Vivem: dados que não se calam, divulgado em março de 2023. Outros dados ainda mostram como os espaços públicos são mais perigosos para mulheres do que para homens. 96% das entrevistadas evitam passar por locais desertos e escuros, 92% evitam sair à noite, 87% escolhem o lugar onde sentar no transporte coletivo pensando em sua segurança, 82% evitam usar certos tipos de roupa ou acessórios.
Quando falamos sobre os fatores que aumentam esta sensação de insegurança feminina, a falta de iluminação pública é o fator mais apontado (66%). Ruas desertas (58%) e espaços públicos abandonados (56%) também são questões que amedrontam as mulheres. Além disso, falhas no transporte público (51%) e problemas nos calçamentos das ruas (36%) são apontados como fonte de insegurança.
Mas como a arquitetura e o planejamento urbano podem influenciar nesta sensação de segurança? Segundo a presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Andréa dos Santos, quando tornamos os espaços públicos melhores para o convívio social, aumentamos a sensação de segurança nas cidades. “Espaços ocupados por pessoas, com trânsito constante de moradores, ajuda a tornar os bairros mais seguros. Se os municípios investirem na urbanização dos seus parques e praças, por exemplo, teremos uma população que, além de usufruir dos espaços que são seus por direito, terá menos medo de realizar seus deslocamentos diários.”
Pensando nisso, uma iniciativa global da ONU Mulheres, chamada Cidades Seguras, fornece apoio, desde 2011, a governos, organizações de direitos das mulheres, ONGs, setor privado e outros parceiros, visando criar espaços públicos seguros para mulheres em ambientes urbanos e rurais.
Estas ações também podem ser compreendidas pelo conceito de urbanismo feminista, que trabalha pelo desenvolvimento de cidades seguras e acessíveis para a população feminina, levando em consideração que os espaços urbanos não tiveram este foco durante suas construções.
Porém, no Brasil, o ambiente doméstico pode ser um espaço ainda mais perigoso para as mulheres. Uma pesquisa de novembro de 2023 realizada pelo DataSenado apontou que três a cada dez mulheres já sofreram violência doméstica e quanto menor a renda, maiores as chances delas sofrerem abusos. Além disso, as mulheres com menor renda são as que mais sofrem violência física, diz o estudo.
A arquiteta e urbanista, diretora de Políticas Públicas e Relações Institucionais da FNA, Luciana Jobim, aponta que as cidades tornam-se inseguras para as mulheres devido a uma construção social machista e que, infelizmente, os casos de violência dentro do convívio familiar ainda se fazem muito presentes. “Precisamos, também, analisar estes dados de uma forma diferente. Essa narrativa de que a cidade é perigosa para as mulheres foi criada para nos manter fora dos espaços públicos e espaços de poder, já que, historicamente, estes espaços eram permitidos apenas aos homens. Essa ideia demanda que as mulheres fiquem nos ambientes domésticos, fazendo as tarefas da casa, que sustentam o modelo econômico capitalista. Porém, são nesses locais, teoricamente considerados seguros, que elas mais são abusadas diariamente”, explica.
Desta forma, o trabalho conjunto entre diversas áreas na sociedade se faz urgente. Tanto os deslocamentos diários nos espaços urbanos quanto o ambiente de trabalho e, também, as residências brasileiras devem ser locais seguros. Isso, além de ser uma construção a ser feita ao longo dos anos, também exige ações efetivas e imediatas. Assim, transformar os locais para que eles proporcionem segurança a todas as pessoas, pode englobar mudanças urbanísticas.
Foto: Mateus Argenta