A falta de moradia e de programas habitacionais estão entre os fatores que desencadearam o aumento de 25% na população de rua. A análise é do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, divulgada pela Agência Brasil, que indica crescimento de 261.653 pessoas em 2023 para 327.925 em dezembro de 2024. O crescimento de quase 50 mil mostra a gravidade do problema, especialmente nas capitais brasileiras.
O aumento dessa população pode ser explicado pelo fortalecimento do CadÚnico como principal registro dessa situação e de acesso às políticas públicas sociais do país, conforme levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Outros fatores apontados são a ausência ou insuficiência de políticas públicas estruturantes voltadas para essa população, tais como trabalho e educação. Os sindicatos de arquitetos e urbanistas têm defendido a mudança de tais aspectos, bem como a garantia do direito à cidade. Enquanto entidade sindical, é reforçado o papel destes profissionais no enfrentamento das desigualdades visando parcerias e diálogo interfederativo.
Liana Paula Perez de Oliveira, vice-presidente do Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo, ressalta que “o SASP tem trabalhado em parceria com os movimentos da população em situação de rua para enfrentar o desafio desse público, que infelizmente vem crescendo exponencialmente. A gente entende que a situação é complexa e exige ações práticas, articuladas e constantes. Por isso, temos desenvolvido iniciativas em várias frentes, unindo forças com outros profissionais e apoiadores”.
Quanto ao papel dos profissionais de arquitetura e urbanismo em diminuir a população de rua, Liana comenta:
“Temos um papel essencial nessa luta. É fundamental planejar cidades criando moradias acessíveis, espaços públicos acolhedores e soluções práticas que realmente funcionem. Esses profissionais também precisam trabalhar em parceria com os movimentos sociais e ouvir quem vive essas realidades. Essa troca é indispensável para construir soluções que façam a diferença.”
“Nosso objetivo é garantir que ninguém fique para trás”, adiciona a vice-presidente.
As regiões nacionais onde há a maior concentração são Sudeste e Nordeste com 204.714 e 47.719 pessoas, respectivamente. A cidade de São Paulo, por exemplo, representa uma grande parcela de moradores e moradoras vivendo nas calçadas das áreas urbanas, cujo número corresponde a 139.799 pessoas. A quantidade é 12 vezes maior do que o registrado no ano de 2013, quando houveram 10.980 situações.
A educação e o trabalho, já mencionados, acentuam a invisibilidade desse grupo. O levantamento da UFMG aponta que sete em cada dez pessoas em situação de rua no país não terminaram o ensino fundamental e 11% encontram-se em condição de analfabetismo, dificultando o acesso das pessoas às oportunidades de trabalho geradas nas cidades.
O problema carece de interesse político, uma vez que não basta acomodar essa população em moradias ociosas ou domicílios vagos a fim de solucionar tal situação. A desapropriação de muitos desses espaços apresenta questões de ordem física, territorial e jurídica a serem avaliadas. Com isso, há a necessidade de políticas – incluindo políticas habitacionais – que considerem características como cor, raça, gênero, idade, acesso aos centros urbanos, serviços de saúde e educação.
Com a finalidade de reverter o aumento da população de rua nas cidades brasileiras, o governo federal criou em 2023 o Plano Nacional Ruas Visíveis (PNRV). O Plano de Ação e Monitoramento para Efetivação da Política Nacional para a População em Situação de Rua consiste em articular ações de parceria com governos estaduais e municipais, com a participação e o diálogo de movimentos sociais, universidades, representantes dos poderes legislativo e judiciário, setor empresarial e sociedade civil organizada. As medidas da iniciativa buscam desenvolver os eixos da assistência social e segurança alimentar, saúde, violência institucional, cidadania, educação e cultura, habitação, trabalho e renda e produção e gestão de dados.
Vanilson Torres, membro da Coordenação Nacional do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), no Rio Grande do Norte e Nordeste, ao mencionar o Ruas visíveis, aponta que “é necessário para nós que envolvam as pessoas que vivenciaram e vivenciam essas realidades, aí sim teremos avanços, pois é preciso antes de construir para e com as pessoas em situação de rua”.
Laura Dias, coordenadora na Baixada Santista (SP) do Movimento Nacional de Luta e Defesa da População em Situação de Rua (MNLDPSR) ressalta que “colocar as pessoas dentro de imóveis desocupados não resolve a falta de moradia. Tem que também ter esse espaço para dormir e para comer que venhamos a criar para que essas pessoas também que vão para essa porta de emprego, elas tenham que ter sempre a moradia. Mesmo que para o começo sejam criadas repúblicas, aluguéis sociais, até que elas possam realmente estar firmes e pagarem seu próprio aluguel, viverem e terem a autonomia das suas próprias vidas”.
Quanto às soluções que podem ser aplicadas a diminuir a população em situação de rua, enquanto conselheiro nacional de Saúde pelo Movimento, Torres afirma:
“Percebemos que a não realização de um censo nacional é de certo modo a não viabilização de políticas públicas estruturantes, pois sem dados fica o discurso de que não há o que fazer sem as informações sobre a realidade da população em situação de rua no Brasil. É inadmissível não termos um censo atualizado sobre seres humanos em situação de rua.”
A desigualdade econômica, o preconceito racial, a homofobia, o desemprego, as mudanças climáticas, entre outros fatores colaboram para que as pessoas permaneçam em situação de rua, não havendo soluções rápidas onde há envolvimento de todas as esferas sociais, políticas e econômicas para que sejam resolvidas. Contudo, há ainda esperança de que a sociedade também veja estes homens e mulheres como pessoas detentoras de direitos, como conclui Laura:
“Se podemos ter um Brasil sem pessoas vivendo em situação de rua, creio que ainda não é possível, pois as políticas públicas não estão funcionando como deveriam funcionar. O número aumenta cada vez mais e essas políticas não estão conseguindo alcançar essas pessoas. Infelizmente, não acredito que isso acabe, mas que sim, diminua muito o número de pessoas nessas condições. A gente sonha, e quem sabe no futuro, sem pessoas em situação de rua, é para isso que nós lutamos.”
Foto: José Cruz / Agência Brasil