Não é preciso aguardar o desastre acontecer para agir. Com o aquecimento global e os eventos climáticos sendo mais frequentes, muitos profissionais têm procurado se antecipar aos impactos, promovendo um estudo aprofundado em resiliência climática. Globalizar este conceito passa pelas mãos de quem pratica arquitetura e urbanismo com a finalidade de partilhar todo o conhecimento adquirido e provocar mais discussões acerca do tema. Arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), mestre em arquitetura sustentável e doutora em regeneração urbana pela Universidade de Tóquio (UTOKYO), Ivana Jalowitzki encontra maneiras de levar adiante os ensinamentos para criar cidades resilientes e sustentáveis.
Com mais de 20 anos de experiência profissional e acadêmica, destaca a valorização dos contextos bioclimáticos que respeitam os saberes naturais e culturais das comunidades. Ivana trilhou seu aprendizado na capital japonesa e o trouxe até a capital brasileira, aplicando sua bagagem enquanto pesquisadora especialista em projetos extensionistas do Laboratório Periférico da Universidade de Brasília (UnB), também contribuindo no desenvolvimento de plano comunitário na favela Sol Nascente, em Brasília.
A arquiteta também é professora de ensino superior no Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB) e foi consultora da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) em análises de projetos institucionais orientadas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Na vida acadêmica, fez estágio pós-doutoral no Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres do Rio Grande do Sul (CEPED-RS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mapeando vulnerabilidades e estratégias integradas de gestão de risco de desastres com participação comunitária, que se expande em união de saberes e interdisciplinaridade.
O que te motivou a estudar arquitetura e urbanismo?
Minha motivação em estudar arquitetura e urbanismo veio do interesse em entender como o espaço pode ser transformado para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Isso me levou a considerar soluções mais sustentáveis e resilientes, adaptadas ao contexto local e às especificidades do ambiente urbano e social. Desde o início da minha trajetória na UFES, percebi que a arquitetura e o urbanismo vão além das formas e materiais, provocando impactos social e ambiental. Esse entendimento foi aprofundado no meu mestrado em arquitetura sustentável e no doutorado em regeneração urbana pós-desastres, ambos pela Universidade de Tóquio. Nessas etapas, aprendi que devemos valorizar os contextos bioclimáticos e topográficos e respeitar os saberes naturais e culturais das comunidades, buscando soluções urbanas que sejam adaptativas e inclusivas. O respeito aos saberes locais e à participação comunitária passaram a ser elementos centrais no meu pensamento.
Qual é a importância dos arquitetos e urbanistas para evitar situações de calamidade?
Os arquitetos e urbanistas desempenham um papel estratégico na prevenção de desastres ao combinarem saberes técnicos e conhecimento local para entenderem as características do território e suas dinâmicas específicas. O planejamento urbano responsável deve buscar a integração entre conhecimento técnico multidisciplinar e os saberes das comunidades que vivem e experienciam os impactos no espaço urbano. Durante meu estágio pós-doutoral, entre 2013 e 2018, no Grupo de Gestão de Riscos de Desastres (GRID/CEPED-RS) da UFRGS, coordenado pelo professor Luiz Carlos Pinto da Silva Filho, pude observar a importância da participação comunitária e da interdisciplinaridade na adoção mais robusta das estratégias de gestão de riscos de desastres. Soluções urbanas eficazes devem ser baseadas no conhecimento das características naturais e culturais do território, respeitando e integrando os saberes locais. No Japão, o método Machizukuri¹ exemplificou como a coparticipação comunitária no planejamento urbano pode garantir o protagonismo das comunidades, alinhando o desenvolvimento ao interesse local e à sustentabilidade das soluções a longo prazo.
Você, enquanto pesquisadora, o que ainda percebe que é necessário fazer para aplicar planos de contingência que sejam adequados às condições brasileiras?
Para que os planos de contingência sejam efetivos no Brasil, é fundamental, além de fortalecer a estrutura de gestão de riscos de desastres nas esferas governamentais, dar centralidade à participação comunitária desde o início dos processos projetuais. Isso significa respeitar e valorizar as vivências e saberes das comunidades, criando soluções adaptadas às suas realidades socioeconômicas e ambientais. No projeto do Laboratório Periférico da UnB, coordenado pelas professoras Liza Andrade e Vânia Teles, demandado pela ação Periferia Sem Risco do Ministério das Cidades, estamos desenvolvendo um plano comunitário de gestão e redução de riscos no Sol Nascente, buscando entender os desafios e as necessidades locais para criar estratégias baseadas em soluções naturais e contextuais. Para este tipo de projeto, é necessário também adotar uma abordagem interdisciplinar, reunindo, entre outros, arquitetos, urbanistas, sociólogos, geógrafos, geólogos, engenheiros e representantes das comunidades, garantindo que as decisões sejam fundamentadas em experiências reais e saberes diversos, promovendo a corresponsabilidade e o compromisso ético com o desenvolvimento sustentável e a resiliência comunitária.
O conceito de cidades-esponja é muito apontado quando se trata de eventos climáticos extremos. Como isto se aplica ao Brasil?
O conceito de cidades-esponja, que busca absorver e reter água por meio de elementos naturais e infraestrutura adaptativa, é estratégico para enfrentar eventos climáticos extremos no Brasil, especialmente em áreas urbanas vulneráveis. Durante o meu doutorado no Japão, aprendi que combinar soluções técnicas com a dinâmica natural do território é a chave para cidades resilientes. No Brasil, é necessário desenvolver projetos urbanos que respeitem os elementos naturais do espaço e promovam soluções baseadas na natureza, garantindo proteção e adaptabilidade ao longo do tempo. Isso inclui práticas como áreas verdes urbanas, solos permeáveis e a reestruturação do ciclo da água. A participação ativa das comunidades nesse planejamento é fundamental para entender o comportamento do território e criar soluções que sejam culturalmente relevantes e contextualizadas, aliando o conceito das Soluções Baseadas na Natureza ao método Building Back Better (BBB)², visando reconstruções urbanas mais robustas e resilientes.
Muitos exemplos de planos contra desastres vêm de fora. O que os arquitetos e urbanistas têm feito para valorizar o que é criado e feito aqui?
Os arquitetos e urbanistas brasileiros, aos poucos, têm buscado valorizar os saberes locais e criar soluções adaptadas às particularidades dos territórios e das comunidades. O planejamento urbano deve considerar que a cidade é um espaço compartilhado por todos, respeitando o direito à participação e ao espaço público. No projeto do Laboratório Periférico, estamos desenvolvendo planos comunitários de redução de riscos no Sol Nascente, respeitando as vivências, o conhecimento local e a cultura específica das comunidades. Durante meu pós-doutorado no GRID/CEPED-RS, focamos em estratégias de mapeamento das vulnerabilidades das comunidades e no desenvolvimento de planos integradores e participativos, destacando a importância das colaborações entre profissionais de diversas áreas e das comunidades. Essa abordagem busca combinar saberes técnicos e comunitários, promovendo soluções urbanas mais robustas e que respeitam o direito à cidade e os interesses das comunidades.
Quais são os impactos dos eventos climáticos para as pessoas de baixa renda?
As comunidades de baixa renda frequentemente enfrentam os maiores impactos das mudanças climáticas, devido à infraestrutura inadequada, às vulnerabilidades e ao desconhecimento dos riscos ambientais. No projeto do GRID/CEPED-RS, percebi a importância das estratégias de planejamento urbano participativo para fortalecer a resiliência dessas comunidades. No Laboratório Periférico da UnB, estamos criando planos de contingência que consideram os saberes das comunidades e soluções baseadas na natureza, visando proteção e adaptabilidade. É fundamental que o planejamento urbano esteja alinhado ao direito à cidade e ao desenvolvimento de políticas públicas inclusivas e adaptativas, garantindo acesso à infraestrutura resiliente e promovendo a corresponsabilidade entre a gestão pública e os habitantes.
O que torna a pesquisa especial para você?
A pesquisa é um meio de unir teoria e prática, criando conexões entre conhecimento técnico e experiência comunitária. Cada projeto em que estive envolvida, seja no GRID/CEPED-RS, no Laboratório Periférico ou no Japão, representou uma oportunidade única de aprender diretamente com aqueles que experienciam os desafios urbanos e territoriais no dia a dia. Para mim, a pesquisa significa respeitar o saber local e entender os elementos naturais e culturais para criar soluções urbanas que sejam adaptativas, resilientes e fundamentadas na participação ativa das comunidades. É um compromisso ético e social com o desenvolvimento sustentável e a transformação urbana, promovendo cidades inclusivas e respeitosas ao meio ambiente e à diversidade cultural.
O que é preciso para que as novas gerações de profissionais aprendam a respeito do tema?
As novas gerações de arquitetos e urbanistas devem aprender a importância do planejamento participativo, integrando o conhecimento técnico aos saberes comunitários. Isso significa respeitar o direito à cidade e criar projetos urbanos que valorizem os contextos naturais e culturais específicos. É essencial trabalhar com soluções oferecidas a partir das dinâmicas da natureza, entender os impactos das mudanças climáticas e desenvolver planos robustos e inclusivos para o aumento da resiliência. Precisamos formar profissionais comprometidos com a ética de respeitar a diversidade das comunidades e atuar de maneira interdisciplinar, contribuindo com a criação de ações e políticas públicas integradas e estratégias urbanas que sejam sustentáveis e sejam baseadas na corresponsabilidade entre os especialistas e as comunidades.
O que mais lhe emociona na arquitetura e urbanismo?
O que me emociona na arquitetura e urbanismo é a oportunidade de criar mudanças reais e significativas na vida das pessoas, respeitando suas histórias, culturas e saberes locais. É inspirador ver como o trabalho arquitetônico e urbanístico pode unir comunidades, respeitar o meio ambiente e gerar soluções urbanas que perduram no tempo. Trabalhar em projetos que respeitam a participação comunitária e o direito à cidade, como no Laboratório Periférico, no GRID/CEPED-RS e no Japão, mostra o potencial transformador da arquitetura e urbanismo como agentes de mudança social e ambiental, criando cidades mais justas, inclusivas e adaptativas, em consonância com as comunidades, o meio ambiente e às dinâmicas da natureza.
¹Palavra japonesa, em tradução livre do inglês: “fazer comunidade”. Conceito desenvolvido no Japão em 1960 que busca empoderar comunidades locais na criação de seus próprios ambientes por meio da independência nos processos de tomada de decisão.
²Building Back Better (BBB) é uma estratégia de reconstrução pós-desastre que visa reduzir o risco para as pessoas de países e comunidades na sequência de futuros desastres e choques.