O patrimônio histórico cultural brasileiro é memória, arte e também arquitetura e urbanismo. Contudo, a expansão das cidades têm restringido a manutenção desses espaços, colaborando no apagamento da participação da comunidade ao longo dos anos. A verticalização das metrópoles reforça o olhar horizontal que os arquitetos e urbanistas precisam ter no resguardo e cuidado da história e da cultura, enquanto dever a ser seguido pela profissão.
A atuação dos arquitetos e urbanistas neste campo é de interesse público, já que a preservação da história e memória da sociedade permite que imóveis, edificações e ambientes sejam usados pela coletividade, de modo direto ou indireto.
Dentro das atribuições e atividades definidas pela Lei n°12378/10, que regulamenta o exercício da profissão e cria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), em seu artigo 2°, inciso 4,° estão cuidar “do Patrimônio Histórico Cultural e Artístico, arquitetônico, urbanístico, paisagístico, monumentos, restauro, práticas de projeto e soluções tecnológicas para reutilização, reabilitação, reconstrução, preservação, conservação, restauro e valorização de edificações, conjuntos e cidades”.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é o órgão responsável por construir melhoria contínua em conjunto com profissionais das mais diversas profissões, junto a autoridades municipais e estaduais no denominado Sistema Nacional do Patrimônio Cultural, dividido em três eixos: coordenação, regulação e fomento. Isto é, a definição de instâncias que garantam ações articuladas e mais efetivas, um conjunto de princípios e regras gerais de ação e, sobretudo, incentivos direcionados principalmente para o fortalecimento institucional e a estruturação de sistema de informação de âmbito nacional.
O artigo 216 da Constituição Federal de 1988 conceitua patrimônio cultural como sendo os bens “de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
O Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, celebrado no dia 18 de abril, valoriza os bens que formam a identidade cultural mundialmente. No Brasil, são 23 sítios reconhecidos como patrimônio mundial, dos quais 14 são culturais, oito são naturais e um é misto.
A importância de datas como esta reforça o fato de que os brasileiros pouco conhecem e acessam as riquezas do próprio país, o que implica, muitas vezes, na discussão dos contextos socioculturais e políticos, a exemplo dos atos antidemocráticos de 08 de janeiro de 2023. Contudo, promover o cuidado e a defesa de tais espaços é trabalho a ser realizado em várias frentes, tal qual o Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, que conta com arquitetos, urbanistas, geógrafos, sociólogos, historiadores, antropólogos, paisagistas, entre outros profissionais.
O Fórum impetrou, no dia 13 de março, recurso para revogar construção de restaurante em formato de zepelim na cobertura de prédios tombados da Praça do Marco Zero em Recife, Pernambuco. Ações como esta realizada pelo Fórum estimulam a formulação de políticas de identificação, apoio e fomento de bens culturais, reunindo visões e concepções no campo do patrimônio brasileiro a fim de recolocar no centro destas ações de preservação as pessoas – enquanto sujeitos ativos, que detém, produzem e resguardam – de volta ao debate histórico-cultural.
O patrimônio cultural brasileiro é de fundamental importância para a construção e organização da memória, para o reconhecimento da identidade de um povo. A memória é um meio de preservação da cultura social que, com a participação de todos, também auxilia na proteção das paisagens urbanas e naturais. A arquitetura, enquanto definida por suas condições materiais, forma a maneira como são construídos os edifícios e as casas refletindo nas estruturas a serem preservadas para o futuro.
Ao carregar um pedaço da história, é importante que os patrimônios culturais sejam mais acessíveis à população em geral, podendo ser melhor aproveitados pelas pessoas que vivem nos seus entornos, como explica uma das coordenadoras estaduais no Rio Grande do Sul do Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, mestranda em Conservação e Restauração de Monumentos Históricos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e também diretora de Formação Técnica, Estudos e Pesquisas do Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande do Sul (SAERGS), Paola Maia Fagundes:
“Pensando nos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico e paisagístico, o patrimônio cultural está conectado ao território, e para torná-lo acessível à população em geral (seja local ou não), é necessária a atuação e compromisso da gestão pública com a participação direta da comunidade local, visando um processo participativo na construção de políticas voltadas à preservação dos bens e valorização dos grupos sociais envolvidos.”
A arquiteta e urbanista adiciona que “são geradas tais condições para que a população independente do status socioeconômico, continue a usufruir do espaço, combatendo a expulsão dos moradores locais, consequência do processo de gentrificação”.
Sendo o Brasil um país plural, com uma diversidade de grupos sociais, os patrimônios culturais têm papel significativo para aqueles que vivem em seus entornos. Tais manifestações refletem as diversas expressões da comunidade, incluindo as paisagens e construções arquitetônicas, cuja manutenção desses espaços é realizada por profissionais de arquitetura e urbanismo, tal qual está descrito nas obrigações gerais de seu Código de Ética: “O arquiteto e urbanista deve reconhecer, respeitar e defender as realizações arquitetônicas e urbanísticas como parte do patrimônio socioambiental e cultural, devendo contribuir para o aprimoramento deste patrimônio”.
Segundo Andréa dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), “integrar o Fórum e apoiar suas iniciativas demonstram nosso compromisso com o patrimônio cultural do nosso país, ao mesmo tempo que estamos atentos aos aspectos legais que o protegem e versam sobre o tema, bem como o alinhamento e diálogo constante com órgãos públicos responsáveis na conservação desses locais, tanto na esfera nacional, como nos estados e municípios, além da importante articulação e transversalidade de debate com os demais profissionais envolvidos com a temática do patrimônio”.
Andréa complementa que há “a importância da atuação dos arquitetos, arquitetas e urbanistas, para com o cuidado com o patrimônio arquitetônico, que também é histórico e cultural, pois nossa atuação é de interesse público para com a população”.
Enquanto entidade sindical, a federação considera relevante evidenciar os impactos e os prejuízos atualmente causados ao patrimônio cultural nacional.
Danilo Matoso, representante da FNA no Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio, ressalta que “a federação busca sempre valorizar a posição dos trabalhadores envolvidos na questão, na qual os arquitetos e urbanistas participam ativamente das políticas de preservação do país”.
Para que se fortaleça o vínculo da comunidade com suas heranças, são necessárias medidas que envolvam os moradores locais na preservação dos valores históricos, de memória, paisagísticos, entre outros, levando em conta suas particularidades culturais e sociais, como enfatiza Paola:
“Certa vez li em um grafite nas paredes de um sítio histórico tombado: ‘O patrimônio é da humanidade, mas não é da comunidade’. Portanto, para que a comunidade possa se identificar e se sentir parte é necessário que estas estratégias de conservação e apropriação considerem ações para a promoção do desenvolvimento sustentável a partir da geração de renda e induzam a transformação social, implementando abordagens que valorizem e respeitem a comunidade local sem se apropriar de suas narrativas, principalmente em sítios onde a exploração do turismo é visto como a principal fonte de renda.”
Foto: Agência Brasil