Agricultura urbana abre novo campo de atuação para arquitetos e urbanistas

Camila Silva/Imprensa FNA  

Além de proporcionar práticas mais saudáveis para o público urbano, auxiliar na manutenção do ecossistema das cidades, a agricultura familiar tem se apresentado como um campo interessante de trabalho para os arquitetos e urbanistas. A prática é nova no Brasil. Tornou-se legal apenas em 2011, quando foi publicado o primeiro Plano de Segurança Alimentar e Nutricional. A prática consiste no desenvolvimento e gerenciamento de hortas e jardins nos centros urbanos para atividades agrícolas. Assim, a agricultura urbana desafia os profissionais da área a desenvolver projetos que mescle a atividade rural com o urbano.

Em 2015, o arquiteto e urbanistas Deleon Perini venceu o Prêmio Jovem Cientista, na categoria Estudante do Ensino Superior, com um projeto que abordava o tema da agricultura urbana. Promovida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com a Gerdau, BG Brasil e Fundação Roberto Marinho, a premiação abordou o tema “Segurança alimentar e nutricional” e destacou pesquisas que levaram em conta o percurso do alimento do campo à mesa, incluindo as tendências de hábitos alimentares dos brasileiros e seus efeitos sobre a saúde.

O projeto desenvolvido por Perini sugere um modelo de agricultura urbana para cidades de pequeno porte, destacando o processo de abastecimento de alimentos. Morador de Erechim, no Rio Grande do Sul, Perini idealizou a iniciativa durante o trajeto de casa para a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). A grande quantidade de espaços ociosos motivou o arquiteto a construir um projeto que ocupasse esses locais, gerasse renda para os produtores, abastecesse os moradores e, ao mesmo tempo, contribuísse para o paisagismo da cidade.

Foto: Vaivirga/ iStock

Além de render para Perini o prêmio de R$ 18 mil, a ideia tornou-se um projeto de extensão da UFFS em parceria com a prefeitura. O Centro Municipal de Agricultura Urbana para Erechim (CEMAM) foi desenvolvido em quatro etapas: diagnóstico da área; elaboração da infraestrutura; zoneamento da área; distribuição de equipamentos. De acordo com Perini, o Centro contempla o ciclo de agricultura urbana completo: do plantio ao consumo.

Durante a execução do projeto foram desenvolvidas entrevistas com os proprietários dos terrenos mapeados na pesquisa e com pessoas interessadas em plantar nesses espaços. O proprietário que integrasse a iniciativa receberia desconto no IPTU. Na etapa seguinte, os produtos colhidos iriam para o banco de alimentos, onde seriam trocados por dinheiro, refeições ou outros itens da agricultura urbana. Esses produtos seriam comercializados por meio de feiras, eventos, cursos e palestras e também em forma de refeição junto ao restaurante da agricultura urbana. A iniciativa resultou na construção de hortas, entretanto, a troca de gestão da prefeitura inviabilizou a continuidade do projeto. Os espaços que já haviam sido construídos seguiram produzindo de forma autônoma.

Para Perini, a construção de uma horta no espaço urbano é uma prática que não prejudica a malha urbana, contribuiu com o paisagismo da cidade e auxilia na permeabilidade do solo. “Os arquitetos e urbanistas têm uma visão da cidade muito ampla, essa é uma das maiores contribuições do arquiteto nessa construção”, afirma.  Para ele, a agricultura urbana busca resgatar uma prática rural a partir de uma nova dinâmica para a cidade.

O assunto também foi destaque no projeto desenvolvido pelo escritório de arquitetura e urbanismo Estúdio 41. Em parceria com estudantes da Universidade Federal do Paraná, os profissionais desenvolveram uma exposição fotográfica que trazia a prática em destaque. O objetivo do projeto era provocar os estudantes de arquitetura e urbanismo a repensar a ocupação dos espaços ociosos no centro de Curitiba e sugerir soluções para os próximos 30 anos.

De acordo com João Gabriel Rosa, integrante do Estúdio, poucos integrantes do projeto tinham conhecimento sobre agricultura urbana. Por isso, eles realizaram um estudo sobre fazendas verticais para pensar de que forma poderiam sugerir a ocupação do Centro. A pesquisa comprovou que, a agricultura urbana tem impacto direto na redução de emissão de CO² nas metrópoles. “A ideia era incentivar os alunos a pensarem no futuro por meio de aulas subutilizadas. Vai chegar um momento em que faltará alimento, faltará espaço e a terra ficará improdutiva. É preciso, desde então, buscar alternativas para esse problema”, afirma. Desde que a exposição foi lançada, em 2015, mudanças significativas aconteceram na cidade. Em 2018, a Prefeitura de Curitiba sancionou um projeto de lei de incentivo à agricultura urbana.

A arquiteta e urbanista mestre em Gestão Urbana pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Lorana Schwantes, transformou a agricultura urbana seu principal tema de estudo. A profissional busca entender de que forma a temática pode contribuir no enfrentamento de determinados problemas econômicos, ambientais e sociais vivenciadas pelos moradores das metrópoles. Para ela, ainda existe um quadro de desigualdades e carências nos centros urbanos no que diz respeito ao acesso ao trabalho, à alimentação saudável, à qualidade ambiental e à ocupação dos espaços vazios.

“O tema ainda é pouco explorado pelos arquitetos no sentido prático por se tratar de um assunto novo, em muitos lugares ainda sem legislação definida para a prática, poucos profissionais enxergam a área como um nicho de atuação”, afirma. A relação da profissão com o tema se dá, principalmente, no campo teórico, por meio de produção de artigos, pesquisas e produções acadêmicas. Além disso, alguns profissionais são ligados a órgãos públicos e atuam na revisão ou reformulação de legislações.

bearded man tending kale crops in urban communal garden during the day

Ministério do Meio Ambiente lança guia prático da agricultura urbana

O Ministério de Meio Ambiente deu o pontapé inicial para abrir as discussões sobre a formação e a implementação de uma política nacional para a agricultura urbana. Trata-se de um guia que apresenta o conceito “A cidade come, a cidade planta” e, a partir disso, traz práticas que visam guiar e ajudar os moradores das áreas urbanas a construir uma horta segura, bem-sucedida e sustentável.

A cartilha lista os principais benefícios de cultivar e praticar a agricultura urbana, entre eles, a transformação dos espaços públicos, tornando-os mais atrativos para convívio social entre os habitantes dos centros urbanos. Para os arquitetos e urbanistas que desejam se aprofundar no tema, o guia traz estratégias relevantes para o reconhecimento de um terreno fértil e sugestões de desenhos de canteiros.

O espaço da horta deve ser calculado de acordo com a quantidade de insumos, mudas e o formato do cultivo. Os desenhos dos canteiros devem levar em consideração três fatores naturais: a luz do sol, vento e água. O ideal é que os canteiros sejam direcionados no sentindo norte-sul, o que impede que uma planta faça sombra nas demais. Caso a horta seja construída em um terreiro amplo, é recomendado instalar cercas vivas para proteger o cultivo.

De acordo com a diretora da educação ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Renata Maranhão, o engajamento depende, principalmente, de uma mudança de postura dos moradores das metrópoles, o que envolve a adoção de um comportamento mais responsável com as próximas gerações. “Os recursos naturais são finitos e é preciso garantir a capacidade de renovação desses recursos”, afirma.

Para Renata, em geral, os moradores das metrópoles não são sensíveis com a natureza. “O ritmo frenético, o excesso de trabalho e o convívio cotidiano com a violência estão entre os fatores que contribuem para isso”, lamenta.  Por fim, a diretora afirma que agricultura urbana é uma ótima forma de ocupação sensível no espaço, por meio da construção de hortas e jardins é possível estabelecer uma reconexão com o campo e permitir o consumo de alimentação saudável.

O documento completo pode ser baixado acessado por meio do site: http://www.guiaagriculturaurbana.com.br/#s3

Foto destacada: JBryson/Istock

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