Renda na base da sociedade é o primeiro passo para o desenvolvimento, defende Dowbor

Mais de 40 livros publicados, autor de diversos artigos, professor titular de pós-graduação da PUC-SP, economista, cientista social, Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia (1976), consultor para diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios. Estamos falando de Ladislau Dowbor, nascido na França, mas que veio muito jovem com a família para o Brasil durante a 2° Guerra Mundial. Dowbor será um dos painelistas da mesa de abertura do 44° Encontro Nacional dos Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas (ENSA), no próximo dia 30/11, às 19h.

Aos 79 anos, Dowbor tem uma agenda cheia de compromissos. Quando contatado, estava produzindo conteúdo para o Economia de Francisco, evento cultural, plural e internacional que acontece de 19 a 21/11, uma convocação do Papa Francisco que busca reunir e articular pessoas e organizações que desejam construir um sistema econômico mais justo, inclusivo e regenerativo.

Para o economista, o Brasil passa atualmente por uma convergência de crises, não apenas a pandêmica, e a classifica em três grandes dimensões: a catástrofe ambiental – perda de solos produtivos, redução da biodiversidade, aquecimento global-; um sistema financeiro nefasto – onde predomina a exploração de pessoas e empresas por meio do superendividamento capitaneado por uma taxa de juros surrealista-; e a desigualdade social, fruto de toda uma ‘política econômica’ que proporciona a todos, inclusive a comunidade periféricas, o acesso a moedas magnéticas. “Na periferia é difícil encontrar um morador com 10 reais no bolso, mas qualquer pessoa tem um cartão, se sujeitando a tarifas abusivas e a taxas de juros que superam 400% ao ano”. Segundo ele, transações com moedas imateriais em um país como o Brasil ajudaram a aprofundar radicalmente a desigualdade social, assim como vêm penalizando o sistema produtivo e o próprio governo. “Temos 64 milhões de brasileiros adultos que estão ferrados. O Serasa gosta de chamar de negativados, mas eu não”, afirma.

Para Dowbor, as quatro grandes crises (contando com a pandemia) geram problemas em todo o mundo, mas no Brasil o cenário “é imensamente mais grotesco pelo fato não temos nenhum controle efetivo de governo sobre os nossos processos econômicos internos”.  Reorganizar o sistema financeiro, de forma que se voltasse a financiar mudanças e sistemas como o energético, de transporte, ajudasse a reduzir as desigualdades e a dinamizar a economia. Essa é a visão de mudança defendida pelo economista para fazer frente à queda da capacidade de compra das famílias, da capacidade de produção das empresas, do desemprego e da redução de receitas do governo. “Uma taxa de desemprego a 14% acaba com o consumo, compromete as vendas das empresas que, com isso, diminuem a produção, geram menos impostos e a arrecadação tributária despenca’. Este é o círculo vicioso da economia brasileira.

Mas como contornar isso? O economista trabalha com visões coerentes entre si. Primeiro, segundo ele, é necessário assegurar o aumento de renda na base da sociedade – seja por meio do Bolsa Família, de renda básica universal e tantos outros mecanismos que já existem. “O essencial é que chegue mais dinheiro na base da sociedade. Assim, as empresas têm para quem vender e conseguem contratar mão de obra. No entanto, elas precisam também de taxas de juros baixas, e não a 46% ao ano, para financiar a produção. Mas o Brasil não tem nem uma coisa e nem outra. O que temos são famílias, empresas e governo com as contas quebradas, e uma perspectiva de entrarmos no sétimo ano com a economia paralisada’, pontuou, referindo-se ao PIB de 2020, que deve encerrar negativo em 4,5 e 5,0%.

Ladislau Dowbor afirma que a qualidade de vida das famílias depende, por ordem de grandeza, de dois fatores: dinheiro no bolso e acesso a bens de consumo coletivo.  Neste último aspecto entra o dever do Estado e de políticas públicas sociais. “O cidadão não pode comprar uma delegacia, mas precisa de segurança, não pode comprar um hospital, mas precisa de saúde, não pode comprar uma pracinha, mas precisa de lazer.” Segundo ele, esse é um conjunto de processos que começa com a necessidade de renda das famílias e passa pelo acesso a infraestruturas em sistemas públicos, universais e gratuitos. ‘Essa dimensão social é o pano de fundo para a atuação de arquitetos e urbanistas, lembrando que políticas sociais até podem ser executadas por empresas privadas, mas precisam que a iniciativa, o planejamento e a organização nasçam de políticas públicas sociais”, defendeu o economista, que em 2009 publicou o texto  Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local, que traz  89 propostas práticas para destravar os pequenos produtores, o setor informal, as iniciativas comunitárias. O conteúdo pode ser acessado neste link .

Dowbor ainda mantém um blog com toda a sua produção e trajetória

Foto: Reiko

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