Fortalecer o poder popular latente na organização coletivas dos arquitetos e urbanistas, somando esforços e aprendendo com a experiência dos movimentos de luta pela reforma urbana e pela moradia. Estas foram algumas conclusões da mesa “Novos formatos de trabalho e arranjos profissionais: ATHIS e assessorias para projetos autogestionários”, realizada na última quinta-feira (25/11) durante o 45º Encontro Nacional de Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas (ENSA). O encontro foi mediado por Fernanda Lanzarin e Danilo Matoso, a diretoria da Federação Nacional dos Arquitetos (FNA), contando com a participação da arquiteta Fernanda Simon, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP); Karla Moroso e Taiane Beduschi, da AH! Arquitetura Humana; Evaniza Rodrigues, da União Nacional pela Moradia Popular (UNMP); e Daniela Sarmento, vice-presidente do Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo (CAU/BR).
Moroso e Beduschi apresentaram um amplo levantamento de formatos e arranjos profissionais – sobretudo aqueles ligados a Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social (ATHIS) – que vêm realizando por meio do projeto da FNA batizado de TABA – Trabalhadores Articulados em Benefício da Arquitetura. Já foram mapeados mais de 80 iniciativas das quais 61% que se declaram empresas e em que 59,5% realizam outras atividades laborais que contribuem com até 80% de sua renda. Do total levantado, 32% apontaram uma remuneração mensal de até R$ 1.500,00 – refletindo mesmo em ATHIS o estado de precarização do mundo do trabalho que vem sendo apontado nas mesas do ENSA nesta edição, e reforçando a necessidade de novos arranjos profissionais.
Segundo Moroso, em seu censo do setor realizado pelo CAU/BR mostra ainda que 18% dos arquitetos brasileiros já realizam projetos de ATHIS. “Isso ainda é muito pouco diante do déficit habitacional existente”, salientou. Em suas próximas etapas a TABA envolverá os sindicatos de todo o país, consolidando seu levantamento numa cartilha destinada a orientar os profissionais sobre as melhores possibilidades de atuação coletiva – sobretudo em ATHIS.
Segundo a assistente social Evaniza Rodrigues, liderança histórica da UNMP, os movimentos de luta pela moradia também buscam ampliar suas possibilidades de organização. Juntamente a outros movimentos sociais, a UNMP protocolou na Câmara dos Deputados, em outubro, o pedido de projeto de lei (PL) que cria o Programa Nacional de Moradia por Autogestão, que entre outras conquistas cria a propriedade coletiva de empreendimentos habitacionais.
O tema, relembra Evaniza, ainda é tratado de maneira relutante pelo poder público. “Sempre vem alguém dizer que a autogestão não pode ser feita, como se dissesse ‘por que o poder público passaria dinheiro para esse bando de sem tetos?’. Os questionamentos sobre o Minha Casa Minha Vida Entidades são os mesmos pela CGU, o TCU, a Caixa. Eles dizem que os movimentos precisam ser o objeto de políticas públicas e não seus protagonistas”, denunciou. Para Evaniza, o PL é importante pois estabelece um projeto habitacional não somente com novas unidades de moradia, mas oferece a possibilidade de uma melhor gestão após a ocupação dos imóveis, permitindo melhorias habitacionais mais estruturadas e integradas à urbanização das regiões em que se inserem.
Taiane Beduschi, sócia na AH! Arquitetura Humana, ressaltou que o PL da Autogestão é um marco histórico ao superar a propriedade individual dos imóveis: “a proposta se contrapõe à lógica de mercado, da fragmentação das relações, colocando a moradia como direito e não mercadoria. É uma luz no fim do túnel para arquitetos e militantes da pauta urbana, pois coloca o ser humano na pauta das decisões. Faz com que a moradia seja para quem a usa, e não para quem a produz”.
Já a arquiteta e urbanista Fernanda Simon, ex-presidente do SASC e ex-diretora da FNA, que atua como conselheira do CAU/SP na Comissão de ATHIS, vê com otimismo as possibilidades futuras deste campo de atuaçãom, que vem ganhando impulso também como objeto de pesquisa na formação dos arquitetos e urbanistas. “A gente tem uma atuação nas universidades com projetos de extensão e pesquisa, o que tem criado novas formas de trabalhar e refletir sobre a prática, aplicada no contexto acadêmico. Profissionais formados com essa experiência resolvem continuar na área, e vários grupos de assessores têm surgido a partir da experiência como alunos”, apontou.
Com o retrocesso recente nas políticas públicas federais de habitação, o CAU/BR tem se mantido como um importante agente de fomento de ATHIS. Segundo a vice-presidente do Conselho, Daniela Sarmento, o investimento da autarquia no fomento da ATHIS com pelo menos 2% de seu orçamento tem tido impacto positivo: “conseguimos impactar 196 ações regionais em todo o Brasil entre 2017 e 2020. Já foram R$ 8 milhões investidos e temos condições de medir quais as melhores práticas e quanto esses projetos contribuíram na construção dessa rede que vemos se empoderar e ganhar visibilidade entre profissionais, aproximando comunidades, arquitetos e gestores públicos nesse processo de articulação”, analisou.
Segundo Danilo Matoso, secretário de Formação e Organização Sindical da FNA, a própria mesa tornou claro “o tripé entre a prática profissional, a pesquisa acadêmica a ação política junto a movimentos populares e ao poder público”. Para o arquiteto, “o grande desafio e o grande potencial das experiências relatadas na mesa é a constituição de um poder popular, nas organizações dos arquitetos e nos movimentos sociais, capaz de pressionar o poder institucional a agir”.