Projetos coletivos abrem espaço à Arte

Dotados de um senso estético apurado e visão espacial privilegiada, arquitetos e urbanistas são, por essência, seres culturais. Carregam, no ato de projetar, sentimentos que se assemelham aos de um artista que pinta uma tela em branco. Para alguns profissionais, essa comparação vai além da poesia. O arquiteto e urbanista Carlos Alberto Maciel, 46 anos, sabe bem o tamanho do desafio de preparar o palco para grandes artistas. Ele integra o coletivo Arquitetos Associados que, há alguns anos, recebeu a incumbência de projetar várias galerias e espaços para a arte no Inhotim, em Brumadinho (MG). Meca da arte contemporânea internacional, o museu a céu aberto brasileiro é a síntese de como paisagem, arte e arquitetura complementam-se, interagem e produzem novas possibilidades para a cultura contemporânea.

Os projetos das premiadas galerias Miguel Rio Branco, Cosmococas e Claudia Andujar foram realizados pelo coletivo sediado em Belo Horizonte (MG). Fundado por Maciel ao lado de três colegas de faculdade, teve diferentes conformações ao longo dos últimos 23 anos. Integrando conceitos de paisagismo, topografia, flexibilidade e iluminação natural, os projetos ampliam as possibilidades expositivas do Inhotim através de espaços que dialogam com a arte e o lugar. O casamento entre edificações austeras e paisagismo preciso também comparece em outros trabalhos do coletivo, como nos quase 5 mil m² do Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro (RJ) e inúmeros outros projetos de espaços culturais pelo país.

Natural de Sete Lagoas (MG), Carlos Alberto Maciel inspirou-se na referência do primo, o arquiteto Achiles Coelho Maciel, e se formou na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1997. Ao longo das últimas décadas, dedicou-se à concepção de equipamentos culturais e projetos de espaços públicos, atuação que ganhou força pelo modus operandi coletivo e colaborativo do grupo, pautado pela pluralidade, um conceito chave na organização do Arquitetos Associados. “Trabalhar em conjunto é quase uma característica da nossa geração. Costumam ser mais interessantes os trabalhos produzidos coletivamente, por resultarem de processos mais dialógicos e críticos”, opina o arquiteto, que leciona Projeto na UFMG desde 2009.

Essa lógica, para ele, diz muito sobre o modo de exercer a profissão em todas as instâncias. Arquitetura e Urbanismo é um trabalho coletivo, que envolve não só arquitetos e urbanistas, como diversos outros profissionais. “A complexidade das demandas que surgem na cidade contemporânea é bem maior do que em outros tempos, quando o desenho do objeto arquitetônico conseguia equacionar as principais questões de contextos menos complexos”, diz. Por isso, aposta Maciel, a construção de objetos novos e a elaboração de projetos autorais serão, cada vez mais, uma exceção. “Hoje, vemos um esgotamento de um modelo quantitativo baseado no crescimento econômico e demográfico que pressionava o crescimento das cidades, forçando a construção em larga escala de novos edifícios. Com a redução da atividade econômica e o iminente decréscimo populacional, a arquitetura passará a lidar com aspectos mais qualitativos dos espaços que abrigam a vida cotidiana”.

O modo qualitativo de enxergar a profissão inspira os trabalhos e pesquisas de Maciel. Doutor em Teoria e Prática de Projeto pela UFMG desde 2015, ele se debruçou sobre o conceito de Arquitetura como infraestrutura, problematizando a obsolescência e a funcionalidade na determinação das obras de arquitetura, o que acaba por implicar em controle excessivo e restrição da liberdade . “Os edifícios duram muito mais do que as pessoas. A função, ou melhor, a ideia de programa de necessidades, talvez não seja a melhor estratégia para orientar a concepção dos edifícios, porque as demandas de uso mudam”, explica. Para exemplificar, ele usa a ideia usual dos projetos de apartamentos, que têm máxima compartimentação e espaço mínimo: “Todo novo morador faz uma obra para demolir paredes e personalizar os espaços. Isso gera mais resíduos, impacto ambiental, desgaste de equipamentos, dispêndio econômico, devido basicamente à sobredeterminação funcional do desenho arquitetônico, pensado a partir de uma lógica de obsolescência funcional”, constata.

Para solucionar essa questão, Maciel sugere uma inversão na lógica de concepção dos edifícios, o que denomina de raciocínio infraestrutural, com o mínimo de compartimentação e a máxima possibilidade de alterações no espaço com facilidade, baixo investimento e mínima produção de resíduos. “Ao invés de fazer um piso de mármore italiano e janelas pequenas, é possível fazer um piso mais simples, mas com janelas amplas, com ventilação e iluminação naturais e contato com a paisagem. Isso implica não em gastar mais, mas em gastar melhor, investindo naqueles elementos mais permanentes e de difícil modificação futura”. Esses conceitos são aplicados nos trabalhos do arquiteto e urbanista, como os Estudios Capelinha, onde todos os dez apartamentos têm área privativa externa, e os usos se distribuem livremente em dois ou três pavimentos internos dos apartamentos sem partições. Esse trabalho, que contou com colaboração de Michelle Andrade, Enara Paiva, Ulisses Mikhail e Henrique Boabaid, ganhou Menção Honrosa na 14ª Premiação do Instituto dos Arquitetos do Brasil em Minas Gerais (IAB-MG).

A ideia de transformar aspectos negativos em virtudes, através de uma ação de projeto, é outra premissa do trabalho do arquiteto e urbanista. Maciel lembra do projeto Estúdios Arrudas, que foi construído num local com um declive acentuado, muito abaixo do nível da rua. “Certos terrenos desinteressantes ao mercado, onde a topografia parece problema, podem gerar projetos atípicos com boa qualidade espacial”. A solução, nesse caso, foi construir o edifício no declive. “Parece que o prédio inteiro fica no subsolo”, cita o arquiteto e urbanista. Além disso, o pé-direito alto dos andares permite que as salas sejam usadas como moradia e trabalho, diluindo a diferença entre os tipos de uso, o que parece interessante quando se pensa em uma cidade não funcionalizada, em que o morar e o trabalhar podem coexistir.

O arquiteto e urbanista argumenta que é urgente redesenhar a própria profissão. Essa mudança será acentuada principalmente na atual época de quarentena devido à pandemia de Covid-19. “Nesse momento, com o convívio intenso com o espaço doméstico, as pessoas começam a perceber demandas qualitativas que poderiam fazer a vida melhor: a falta de sol, a possibilidade de ter vida ao ar livre, a gentileza de uma varanda”, argumenta. Por outro lado, a disponibilidade de espaços e edifícios inteiros em decorrência da retração econômica e da redução do crescimento populacional apresentará uma nova possibilidade de atuação profissional: “a atuação e a formação de arquitetos e arquitetas deverão passar a levar em conta as qualidades presentes nas preexistências, a sua ordem construtiva, a lógica dos materiais, a organização original de suas espacialidades. Trata-se de um esforço de reconhecimento da história e do que já está dado, para além da autoria e da falácia da novidade.” Assim, com o esforço de transformação disciplinar na formação dos arquitetos, a Arquitetura e Urbanismo assegurará sua relevância social. “As expectativas e a lógica de atuação dos arquitetos terão de ser reconstruídas”, desafia.

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