O que queremos do FGTS?

Fonte: CUT

Autor: Claudio Gomes, presidente da Conticom e representante da CUT no Conselho Curador do FGTS

Crédito: Arte sobre imagem de istock/diogoppr

Este ano o FGTS faz 50 anos. O fundo, que foi criado pelos militares “em troca” do fim da estabilidade no emprego para os trabalhadores com mais de 10 anos de casa, estabelece para o trabalhador uma poupança compulsória para acudi-lo no caso da perda involuntária do emprego e uma indenização paga pelo empregador, os 40% de multa sobre o saldo. O FGTS ganhou novos contornos com a constituição de 1988 e a lei de 1990, que passaram a administração financeira do fundo para Caixa, e criaram o CCFGTS.

Os déficits do fundo e os esqueletos trazidos do passado foram sanados pelo “maior acordo da história”, quando foi estabelecida a Lei Complementar 110/2001, que determinou o pagamento dos expurgos de mais dezenas de bilhões dos planos Verão e Collor I a 38 milhões de trabalhadores. A dívida dos planos foi inteiramente quitada em 2012, mas antes disso o FGTS já havia recuperado sua saúde financeira. Hoje o FGTS é um fundo sólido com um papel importante tanto no lado do seu passivo, a restituição da poupança forçada e o pagamento do sinistro pela demissão, como do lado do ativo, financiando boa parte da política habitacional do país.

O programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e ao Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC) representaram uma quinada na vida do fundo. Graças ao PMCMV, e ao uso dos subsídios para alavancar os empréstimos, o FGTS contribuiu diretamente para a construção de mais de 3,2 milhões de imóveis novos, beneficiando mais de 12,8 milhões de trabalhadores e trabalhadoras e gerando mais de 11 milhões de empregos diretos e indiretos durantes as obras, entre 2004 e 2015. O programa habitacional implantado com apoio do FGTS e dos trabalhadores contribuiu para mudar a cara do Brasil.

O FGTS contribuiu com o financiamento do programa Minha casa Minha Vida por meio da concessão de financiamento com juros subsidiados e da concessão de um “bônus” para compra de imóveis, que chegou a mais de R$ 12 bilhões no ano passado. O subsídio oferecido ao trabalhador na compra da casa própria é pago com recursos próprios, provindo dos “lucros” do fundo. Este ”lucro” vem da sua boa administração e do espetacular desempenho do mercado de trabalho nos últimos anos, e também do enorme subsidio que o trabalhador cotista transfere ao FGTS devido ao diferencial de juros entre a correção das contas (TR+3%) e a inflação. Estes fatores permitiram o aumento crescente do seu patrimônio total e do patrimônio líquido.

Este desempenho permitiu também que o FGTS colaborasse com a habitação popular para famílias extremamente carentes e muitas vezes fora do mercado de trabalho formal, através de empréstimos ao FAR que sustenta o FINIS e a chamada faixa 1 do PMCMV. E, mais recentemente, com a criação do PMCMV faixa 1,5 e o subsídio de boa parte do faixa 1. Isso sem falar na expressiva participação do fundo no financiamento do saneamento e da mobilidade no país.

O outro lado desta moeda é que os trabalhadores passaram a ver a correção das suas contas cada vez menor em relação à inflação. Ainda que parte deles tenha sido beneficiada pela compara de imóveis financiado pelo fundo, uma vez que segundo o Ministério das Cidades mais de 60% dos compradores de casas dentro do PMCMV são cotistas do FGTS. Estes cotistas que compõe a clientela do PMCMV são os que mais ganham com o programa. Devemos sempre lembrar, contudo, que o número dos cotista que acessa o financiamento da casa própria é muito menor do que aqueles com contas ativas no fundo, afinal são cerca de 5 milhões de contas com recolhimento mensal regular.

Mas quem mais perde? Parte desta resposta encontrasse no perfil das contas do fundo. Nada menos do que 67% das contas em 2014 possuíam menos de 1 salário mínimo de saldo, para ser preciso uma média de 175 Reais. Se somarmos essas contas as que possuíam até 4 SM, chegamos a 80% das contas, com média de menos de 2000 reais de saldo, que por sua vez representam apenas 16,5% dos R$ 300 bilhões depositados no fundo. Para este trabalhador não está tão claro que um aumento de 3% na correção das contas vai fazer diferença, pode ser que ele ganhe mais fazendo parte de um fundo solidário onde todos contribuem e podem tirar suas casas com juros e recursos subsidiados.

A culpa deste perfil é do nosso mercado de trabalho e da estrutura empresarial, com empregos de baixos salários e qualificação somado a alta rotatividade. O trabalhador fica pouco no emprego e ganha pouco de forma que não acumula recursos na sua conta do FGTS. Quem sai sacrificado? O trabalhador de mais alta renda, mais qualificado e que fica mais tempo no emprego. Este trabalhador acumula mais recursos no fundo e por isso seria o grande ganhador no caso de uma melhor correção das contas. E pelo seu perfil, provavelmente não se beneficia diretamente pelo PMCVM.

Quais são as soluções para este trabalhador? A maior correção das contas poderia beneficia-lo mais alteraria o equilíbrio do sistema. Se o ativo for corrigido com taxas mais baixas o passivo também será, o descasamento entre estas duas contas poderia ser desastroso e teria um alto custo para os mutuários e para todo o setor da habitação. O que se pode fazer então? O primeiro ponto é que as contas não podem ser remuneradas abaixo da inflação, isso é imoral uma vez que a poupança é compulsória, e deve ser uma bandeira dos trabalhadores. A correção poderia, por exemplo, ser similar a poupança.

Também é possível permitir que este trabalhador invista no Fundo de Investimento do FGTS, o FI-FGTS, conforme previsto em lei, mas nunca regulamentado. Desta forma o trabalhador poderia migrar seus recursos para uma aplicação de maior rentabilidade dentro do fundo, que por sua vez poderia investir em debêntures do BNDES, por exemplo. Outra forma de contrapartida possível é melhorar as condições do Programa Pro-Cotista, que financia imóveis fora do PMCMV, com valores mais altos e para faixas de renda mais altas, mas com juros subsidiados.

Por fim, é preciso que os trabalhadores discutam com querem ver seu lucro investido, tomando as rédeas da concessão de subsídios que chegaram a R$ 12 bilhões no ano passado, com a concessão de R$ 4 bilhões extras para “salvar” o PMCMV faixa 1. Estes assuntos têm eu ser discutidos por nós cutistas e por todos os trabalhadores para que tenhamos uma bandeira clara com relação ao FGTS. É preciso defender os trabalhadores sem, contudo, perder o papel social do fundo.

Claudio Gomes, presidente da Conticom e representante da CUT no Conselho Curador do FGTS

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