O racismo ambiental se configura como uma grave injustiça social que se entrelaça com a questão do impacto das mudanças climáticas, se caracterizando pela discriminação racializada que expõe comunidades minoritárias, como negros, indígenas e quilombolas, a situações degradantes do meio ambiente. Essa discriminação se reflete nas políticas voltadas ao planejamento urbano, que frequentemente localizam fontes de degradação em áreas habitadas por essas comunidades. A arquitetura e o urbanismo, portanto, têm um papel crucial na reversão desses impactos, promovendo um planejamento urbano inclusivo que priorize a justiça ambiental e o bem-estar de todos os cidadãos.
Suas consequências são devastadoras como a poluição do ar e da água, a contaminação do solo, a perda de terras tradicionais e os impactos das mudanças climáticas, podendo afetar diretamente a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida dessas comunidades. Além disso, a violação de territórios e a quebra dos modos de vida tradicionais igualmente causam danos culturais irreparáveis.
Nas cidades e centros urbanos brasileiros, o racismo ambiental tem um impacto significativo na população que vive em favelas e periferias, onde historicamente tem uma maioria da população negra, assim como para as comunidades indígenas e quilombolas. Estas, frequentemente localizadas em áreas de alto valor ecológico, como florestas e reservas naturais, possuem um conhecimento profundo desses ecossistemas. Contudo, essas comunidades têm pouca influência nas políticas que afetam seus territórios e geralmente são excluídas dos processos de tomada de decisão.
A falta de acesso a serviços básicos, como água potável e saneamento, de estrutura urbana e de condições de moradia digna afetam a saúde e a qualidade de vida dos moradores e agravam tais impactos, ocasionando enchentes e deslizamentos.
Conforme estudo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), as pessoas pretas e pardas representam 18,9% da população gaúcha, mas são 32,3% entre os mais pobres.
O núcleo porto-alegrense do Observatório das Metrópoles realizou análise comparando as enchentes gaúchas à composição étnico-racial do território da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). Analisadas as localidades mais afetadas (Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Eldorado do Sul, Guaíba e Alvorada), percebeu-se a concentração expressiva de população negra, geralmente acima da média nos municípios.
De acordo com o relatório, o recorte étnico-racial é importante, pois os dados gerais da população brasileira e gaúcha apontam que a população negra é a menos favorecida em termos salariais, qualificação profissional e nível de escolaridade, apesar das políticas afirmativas desenvolvidas desde a última década. Portanto, os programas de intervenção e recuperação destes territórios devem levar em conta as especificidades desta população que lá reside. Este cenário também se repetiu nas cidades da região Sudeste no primeiro trimestre de 2023, no qual centenas de famílias foram e seguem sendo afetadas.
Contudo, o racismo ambiental expõe as situações de pobreza e exclusão social e deixa essas populações propensas a riscos desproporcionais. Tais riscos se manifestam quando as populações mais pobres são obrigadas a morar em encostas, áreas alagáveis e outras, devido à falta de políticas públicas inclusivas de habitação.
Para que esses casos não se repitam, alinhar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no combate do racismo ambiental tem feito parte das discussões dos arquitetos urbanistas com a finalidade de promover políticas públicas pelo direito à cidade e soluções de acesso à moradia, à água e ao saneamento, em articulação e diálogo com diversos setores para que se haja escuta ativa nas demandas das comunidades mais afetadas.
Segundo Andréa dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), “para combater o racismo ambiental, é necessário mais do que criar programas de habitação; é crucial consultar os moradores das encostas e das periferias, bem como considerar o quanto cor e raça – assim como gênero – afetam suas vidas nas cidades sob efeito das mudanças climáticas”.
“A reconstrução das cidades só se faz possível com a redução das desigualdades e ouvindo as comunidades marginalizadas para que possamos, enquanto profissionais arquitetos urbanistas, levar as dificuldades que vivem para a superfície e melhorar suas condições de vida nos grandes centros urbanos. Criar uma estratégia contra o racismo ambiental não é feita sem as pessoas que o vivenciam”, conclui Andréa.
Lutar contra o racismo ambiental é lutar por um futuro mais justo e equitativo, onde todas as pessoas, independentemente de sua raça ou origem, possam ter acesso a um ambiente saudável e viver com dignidade.
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil