Nova Agenda Urbana da ONU desafia cidades a se tornar mais inclusivas e sustentáveis

Texto: Patrícia Feiten

Aprovada em outubro de 2016, durante a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), em Quito, no Equador, a Nova Agenda Urbana (NAU) da Organização das Nações Unidas (ONU) nasceu como um roteiro para orientar a urbanização sustentável nos 20 anos seguintes. Ao assinar o acordo, os líderes mundiais se comprometeram a melhorar todas as áreas da vida urbana, aumentando o uso de energia renovável, proporcionando transportes mais ecológicos e gerindo de forma sustentável os recursos naturais, por exemplo. No Brasil, o programa ONU-Habitat vem desenvolvendo projetos para colocar esses desafios em prática em cooperação com governos. Mas, apesar dos esforços de divulgação da NAU, ainda há um alto grau desconhecimento da agenda entre as instituições, avalia a oficial nacional do ONU-Habitat para o Brasil, Rayne Ferretti Moraes.

Na NAU, as cidades são o centro da batalha – sem sua participação ativa e políticas locais, não será possível reagir a grandes problemas globais como a mudança climática, a degradação ambiental e a desigualdade, sugere o texto. O documento alerta que a população urbana mundial deverá quase dobrar até 2050. E, até 2030, segundo projeções do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), 5 bilhões de pessoas viverão nas cidades, o equivalente a 60% do total global. “Isso faz com que a urbanização seja uma das tendências mais transformadoras do século XXI”, afirma Rayne. “Entendemos que as perspectivas com relação ao compromisso da NAU são muito positivas e, se queremos mudar nossa realidade, obrigatórias.”

Em resposta a esse mundo cada vez mais urbano, o texto da NAU apresenta 175 pontos de partida para políticas de urbanização sustentáveis. Entre seus princípios, estão a igualdade de oportunidades para todos; o fim da discriminação; a importância das cidades mais limpas; a redução das emissões de carbono; o respeito pleno aos direitos de refugiados e migrantes; a implementação de melhores iniciativas verdes e de conectividade. Rayne explica que o documento funciona como um catalisador da plano socioambiental da ONU conhecido como Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, aperfeiçoando os meios para se alcançar os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) – acordo assinado em 2015 por vários países, entre os quais o Brasil, com metas a serem alcançadas até 2030. 

A NAU dialoga especialmente com o ODS 11, que busca “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. “O ODS 11 é composto por 10 metas e pelo menos 50% de todas as metas propostas para os 17 ODS estão relacionadas à NAU”, diz Rayne. “Adicionalmente, a NAU tem o mérito de reunir, em um único documento, todas as constatações e recomendações para construirmos e administrarmos cidades de uma maneira diferente, potencializando a força transformativa da urbanização.”  

Assim como a grande maioria dos acordos internacionais focados em desenvolvimento e sustentabilidade, o documento da NAU não é legalmente vinculante, ou seja, não atrela os Estados-membros ou prefeituras a cumprir metas específicas. No entanto, foi resultado de uma construção conjunta dos 193 Estados-membros das Nações Unidas, incluindo governos locais, setor privado, organizações da sociedade civil e instituições de ensino superior. “Os países envolveram-se de uma forma muito ativa na negociação e elaboração da NAU”, afirma Rayne. “O Brasil, por exemplo, teve o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) como relator do Relatório Nacional do Brasil para o Habitat III e o Conselho das Cidades, braço participativo do Ministério das Cidades, como órgão consultivo-chave para elaboração do mesmo, que teve como eixo condutor o tema do direito à cidade.” 

Projetos no Brasil

No Brasil, o ONU-Habitat desenvolve, em Maceió (AL), em parceria com o governo de Alagoas, um projeto de melhoria da qualidade de vida nos assentamentos informais conhecidos como grotas, através de estratégias para inclusão social, prevenção da violência e infraestrutura urbana. Segundo Rayne, nessa iniciativa, o foco da agência é a produção de dados de qualidade para orientar as políticas públicas. “Este é um belo exemplo de projeto que contribui com o ODS 11 e que territorializa as diretrizes da NAU. Além disso, Rio de Janeiro e Niterói são cidades-participantes de um projeto regional de capacitação e intercâmbio de boas práticas do ONU-Habitat em cooperação com a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe)”, detalha Rayne.

No ano passado, na Convocação Pública de Práticas Inovadoras da Nova Agenda Urbana, o ONU-Habitat premiou o Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, por “tornar a cidade mais humana, moderna e equilibrada, através do emprego e da moradia, para enfrentar as desigualdades socioterritoriais”. O concurso analisou 146 candidaturas de 16 países e teve três outros projetos vencedores, da Costa Rica, do Equador e de Porto Rico. A cidade de Fortaleza recebeu menção honrosa, pelo projeto de reabilitação das áreas da Bacia de Vertente Marítima e do Parque Rachel de Queiroz.

Para a representante do ONU-Habitat no Brasil, os grandes desafios da NAU no país estão relacionados à implementação local e à consolidação de uma política nacional urbana, incluindo o uso dos instrumentos do Estatuto da Cidade. “No país, os municípios são entes federativos autônomos e possuem diversas competências relacionadas às metas do ODS 11 e às diretrizes da NAU. É preponderante que o ODS 11 e a NAU sejam trabalhados e implementados junto ao nível municipal, alinhados aos Estados e à União, sobretudo porque muitos temas urbanos, assim como os ambientais, ultrapassam as fronteiras municipais”, destaca Rayne. 

A aplicação bem-sucedida da NAU também depende de enfrentar os problemas habitacionais. “Para levar o desenvolvimento sustentável às cidades e aos assentamentos humanos, por meio de uma urbanização bem planejada, é necessário ressaltar a importância do papel da habitação no processo – especialmente se é segura, adequada e a preço acessível. Também é fundamental reconhecer que a forma na qual as moradias estão sendo produzidas e consumidas moldaram o crescimento urbano, lamentavelmente, em muitos casos, produzindo cidades fragmentadas, desiguais e não funcionais”, avalia a representante do ONU-Habitat.  

Divulgação

O longo processo preparatório da NAU produziu diversos tipos de documentos, como os relatórios nacionais, relatórios regionais, documentos temáticos (redigidos pelas agências especializadas da ONU) e unidades políticas (redigidas por grupos de especialistas). Todos esses produtos foram registrados no site da Conferência, onde podem ser encontrados nas seis línguas oficiais da ONU, que não incluem o português. Mesmo assim, Rayne observa que o ONU-Habitat Brasil teve a iniciativa de traduzi-los, com a ajuda de voluntários. “A versão do documento final da Nova Agenda Urbana em português (brasileiro) está em fase de tradução e revisão técnica, mas já há uma versão em português de Portugal e outras versões de tradução livre do documento disponíveis (veja abaixo)”, diz.

Além disso, o ONU-Habitat divulga os conceitos e ferramentas da NAU em eventos internacionais, nacionais, estaduais e locais, nos eventos anuais da campanha Outubro Urbano, da ONU, e nas redes sociais. “No Brasil, lançamos recentemente, no âmbito do Grupo Assessor Interagencial da ONU no Brasil para a Agenda 2030, o Glossário (veja link abaixo) e o Documento Temático do ODS 11, que têm como objetivo esclarecer os principais conceitos relacionados à urbanização sustentável, em língua portuguesa, e estão diretamente relacionados à NAU”, acrescenta Rayne. 

Saiba mais sobre a NAU

O site da Nova Agenda Urbana pode ser acessado no endereço http://habitat3.org/

Neste link, pode ser consultada a versão  final do documento, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, traduzida para os idiomas oficiais da ONU e também para o português (de Portugal e Angola). 

 Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU

Objetivo 1: Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares

Objetivo 2: Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável

Objetivo 3: Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades

Objetivo 4: Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade; promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos

Objetivo 5: Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas

Objetivo 6: Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos.

Objetivo 7: Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos

Objetivo 8: Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos

Objetivo 9: Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação

Objetivo 10: Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles

Objetivo 11: Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis

Objetivo 12: Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis

Objetivo 14: Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável

Objetivo 15: Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade

Objetivo 16: Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis

Objetivo 17: Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável

Fonte: ONU Brasil

Glossário 

Acesse o Glossário de termos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 no link  

O ONU-Habitat

  • O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) foi estabelecido em 1978, como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat I). Tem sede em Nairóbi, capital do Quênia.  
  • Como uma agência de cooperação técnica especializada do Sistema ONU, trabalha com todos os temas relacionados à vida nas cidades, em parceria com governos, universidades, ONGs e demais instituições do terceiro setor e o setor privado. A agência desenvolveu instrumentos fundamentais para o processo de implementação da NAU, como planos regionais e apoio técnico para implantação de políticas urbanas.
  • O Escritório Regional do ONU-Habitat para América Latina e o Caribe fica no Rio de Janeiro. Nele há uma equipe dedicada para iniciativas, projetos e atividades do ONU-Habitat no Brasil. Site: https://nacoesunidas.org/agencia/onuhabitat/. E-mail: [email protected]

Fotos:

Destaque: Avenida 23 de Maio, em São Paulo (SP), vista do Viaduto do Chá. Plano Diretor Estratégico da cidade foi premiado em concurso relacionado a práticas da Nova Agenda Urbana (Diego Grandi/iStock)

Ao centro: Conferência Habitat III, realizada em outubro de 2016 em Quito, no Equador (Divulgação/Habitat3.org)

Acima: Comunidade de Grota do Ouro Preto, em Maceió (AL), onde o ONU-Habitat desenvolve um projeto de melhoria da qualidade de vida em parceria com o governo estadual (Divulgação/ONU-Habitat Brasil)

Rolar para cima