Nazareno Affonso: Mobilidade urbana como via de democratização

Com uma longa trajetória dedicada ao tema da mobilidade urbana, o arquiteto e urbanista Nazareno Stanislau Affonso devota sua vida à luta por um transporte público de qualidade. Mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela FAUSP, com a tese “Chega de Enrolação, Queremos Condução”, Nazareno é considerado um dos maiores especialistas brasileiros em transporte público. O profissional, que foi secretário de transporte nas cidades de Porto Alegre (RS), Santo André (SP) e Brasília (DF), além de ter presidido o Fórum Nacional de Secretários de Transporte Urbano, dirige atualmente o Instituto MDT – Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos.
Segundo o arquiteto e urbanista, mobilidade é um tema paradigmático para quem trabalha na área de transporte, pois foi a chave para que certas mudanças acontecessem. “Comecei em 1972 como funcionário do Metrô de São Paulo e, na época, a gente só falava de transporte, trânsito, automóvel, transporte público, bicicleta, calçada, e era tudo separado. E qual o resultado disso? Reinava o automóvel: no fim, todo mundo só falava do automóvel. Por volta dos anos 1980, a gente viu que na Europa estava se discutindo muito a palavra mobilidade. E qual a grande diferença? É que ela junta todo mundo. E aí, podemos comparar quanto é gasto com automóvel, quanto é gasto com transporte público e quanto é gasto com bicicleta e calçada.”
Para Nazareno, o transporte público é aquilo que corre nas veias da cidade e o que democratiza seu acesso. Ele também salienta a importância do planejamento urbano na vida dos cidadãos. “Defendemos uma cidade criada de maneira descentralizada, com vários centros de bairros, todos eles autônomos e com condições para que as pessoas não precisem fazer grandes deslocamentos.”
A democratização por via da mobilidade urbana, segundo o urbanista, garante que todos os cidadãos cheguem ao trabalho, à escola, atividades extras e voltem para casa segurança e conforto. Para quem mora longe das atividades diárias, é o transporte público que facilita o acesso e assim, em teoria, todos conseguem se deslocar aos mesmos lugares igualmente. Porém, a realidade não é tão boa quanto a teoria. O transporte público no Brasil é precarizado e há uma defasagem de qualidade em locais que não contam com ônibus ou qualquer outro tipo de transporte público.
O Instituto MDT luta para que o transporte público tenha mais qualidade, tornando a população mais disposta a deixar o carro em casa e garantir o deslocamento daqueles que não possuem automóvel. Nos quesitos sustentabilidade e qualidade de vida, Nazareno aponta que o ideal é o que determina a Lei de Mobilidade Urbana (Lei nº 12587/12) que priorizar a bicicleta e as calçadas; em segundo lugar, o transporte público e, em terceiro, o automóvel.
Um de seus trabalhos chama-se A Era Pós Automóvel, que fala como seria um espaço urbano ideal e menos estressante. “Defendo a democratização do espaço viário. Termos o ônibus circulando fora do congestionamento dos automóveis, metrôs integrados ao sistema de ônibus com qualidade, faixas exclusivas e calçadas ampliadas.”
Nazareno conta também que um dos maiores desafios na conscientização da população é que muitas vezes as pessoas ficam “viciadas” no uso do automóvel, o que as impede de considerar o transporte público para seus deslocamentos. Além disso, o carro é um dos principais responsáveis pelo efeito estufa. “Nós vimos um pouco disso logo no início da pandemia. Quando houve a diminuição do uso de automóveis, a qualidade do ar melhorou”, relata.
A discussão sobre mobilidade começou nos anos 2000, atualmente completando quase 20 anos desde o primeiro contato com a palavra. Para Nazareno, o que mudou de lá para cá “foi a consciência das pessoas”. “Ao andar e circular de bicicleta, elas conhecem melhor a cidade; ao andar a pé em uma via arborizada, a cidade ganha mais vida. E o que a gente ganhou nesse tempo foram os corredores e faixas exclusivas que em 2011 somavam 410 km. Em Porto Alegre, hoje, o conjunto dos corredores está na ordem de 1.800 km. Temos o caso de Joinville, que já fez mais de 250km de ciclofaixas usando o estacionamento de carros”, cita.
Apesar de já ter havido uma grande transformação em diversas cidades brasileiras, ainda há muito a ser melhorado. Essa discussão abre diversos contrapontos e questionamentos, mas é importante ressaltar que, com um transporte público de qualidade, a cidade se torna mais democrática e facilita a todos a liberdade de ir e vir.

Imagem: arquivo pessoal

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