Mobilidade urbana e democracia

Qualquer proposta de uma política de mobilidade urbana para ser implementada em um território, e que se alinhe com os princípios do desenvolvimento sustentável, necessariamente vai se concentrar em alguns eixos fundamentais, como, por exemplo, a priorização dos modais ativos ou não motorizados, como a circulação a pé, por bicicleta, patinete ou skate, e dos
sistemas de transporte público coletivo, ao mesmo tempo em que deve estabelecer uma diretriz básica para o desestímulo ao uso do transporte individual motorizado dentro do espaço urbano.

Quem acompanha de perto o tema, sabe que isso não é novidade para ninguém, assim como também é de notório conhecimento o fato de que o redesenho das cidades passa fundamentalmente pela retirada de privilégios dos automóveis dentro do sistema viário, onde ocupam parcela significativa do espaço, apesar de transportarem quantitativo inferior de passageiros comparativamente ao transporte público, mas que essa mudança de paradigma encontra muitas resistências dentro de determinados segmentos da sociedade e que estes, invariavelmente, possuem extraordinária capacidade de mobilização e de influência dentro dos entes públicos responsáveis pela gestão, contribuindo para que projetos inovadores e
necessários sejam descartados em nome da manutenção da velha política tradicional de execução do mais do mesmo, onde viadutos, pontes, alargamentos de vias e vagas de estacionamento para veículos em vias públicas sempre vão ser, infelizmente, os protagonistas das ações de mobilidade urbana.

Impressiona o fato de que vários instrumentos de gestão da política urbana que já foram plenamente validados em muitas cidades pelo mundo (como política de estacionamento, captura de valorização imobiliária em decorrência de obras de transporte público, pedágio urbano, taxa sobre emissões, etc), com a produção de resultados satisfatórios e provocando transformações qualitativas dentro do espaço urbano, e que aqui estão devidamente expressos na política nacional desde 2012, no Brasil são completamente ignorados por municípios e estados que evitam qualquer processo de enfrentamento junto às camadas dominantes, mesmo que as mudanças venham a produzir alterações positivas para o conjunto da sociedade e que possam ser apropriadas futuramente pela totalidade da população.

Avançar em busca de uma mobilidade urbana sustentável pressupõe a mudança de paradigmas por intermédio de um processo coletivo de construção dentro das cidades, onde a criação de uma ambiência favorável é fundamental para efetivar as decisões políticas. Entretanto, fico pensando se hoje, no atual cenário, há algum espaço para se avançar o debate em direção à democratização do sistema viário no plano local, por exemplo, se a realidade incorporada no país nos últimos 3 anos e meio se contrapõe a esse modelo, seja na desmobilização da participação social nos processos de execução das políticas, no esvaziamento do protagonismo dos entes públicos, no ataque às instituições e ao estado de direito, na propagação de informações falsas, no desenvolvimento de antipolíticas públicas e na aposta deliberada do acirramento dos conflitos e do aumento da tensão social como estratégia de mobilização dos grupos de apoio desse projeto equivocado de poder.

Wesley Ferro Nogueira
Economista e ativista político há quase 40 anos

Foto: Kate Mangostar/Freepik

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