Grafite: arte que faz dos muros sua tela

Camila Silva/Imprensa FNA 

Grafite são as inscrições feitas em paredes. Apesar de essa arte ser explicada de maneira tão simplista, a intersecção entre as cores e os muros traz junto de si uma série de lutas e manifestações populares. Uma das principais manifestações artísticas dos centros urbanos, o grafite é um instrumento político e está fortemente ligado à cultura hip-hop.

Entre os artistas brasileiros, Eduardo Kobra é um dos principais nomes. Grafiteiro reconhecido internacionalmente, Kobra nasceu na periferia de São Paulo e em 1987, ainda adolescente, começou a pichar nas ruas da cidade. Entretanto, a forte ligação do artista com desenhos e ilustrações resultou na sua migração para o grafite. O que ele faz questão de dizer não se tratar de uma evolução, já que, o grafite e a pichação são manifestações artísticas distintas, uma não é superior à outra.

De acordo com o artigo 65 da Lei de Crimes Ambientais, Lei 9605/98, o grafite não constitui crime, quando a prática é realizada com o objetivo de “valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário”. A legislação também prevê que as artes devem ser autorizadas previamente pelos órgãos governamentais autorizados.

Autodidata, Kobra tem como inspiração artistas como Stree art Banksy, britânio cuja identidade jamais foi revelava, a nomes como o norte-americano Eric Gorhe, o também norte-americano Keith Haring, e o mexicano Diego Rivera (1886-1957).  A sua ligação com o hip-hop é relembrada no estilo mais evidente de obras: imagens hiper-realistas, muitas vezes baseadas em fotografias de personalidades, como a do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, localizada em na Avenida Paulista, em São Paulo (SP). Todas as produções cobertas por cores fortes e vibrantes, característica marcante do artista e que lhe fizeram ser reconhecido internacionalmente.

No Brasil são mais de 500 obras, incluindo o mural “Todos Somos Um (Etnias), localizado na zona portuária do Rio de Janeiro (RJ). Com mais de 3 mil metros quadrados, a produção tornou-se o maior grafite já realizado no planeta, oficializado em agosto de 2016, pelo Ginness Book, o livro dos recordes.A obra é inspirada de união transmitida pelos cinco anéis olímpicos, por isso, estão representados cinco símbolos, uma de cada continente e levou dois meses para ficar pronta.

O mais recente mural feito por Kobra é uma homenagem ao escritor e poeta gaúcho Mário Quintana e está localizada no colégio Farroupilha, tradicional instituição de ensino particular de Porto Alegre (RS). No mural, Quintana está retratado ao lado de um passarinho, em menção a uma de suas obras mais conhecidas, o poema “Eu passarão, eles passarinho”.

Para desenvolver a obra o artista pesquisou sobre a vida e a obra de Quintana. Além disso, o processo de criação do artista incluiu um mural em tamanho menor que é comercializado para galerias de arte e estabelecimentos semelhantes. O painel mede 196 m² e é composto spray de tinta, tinta acrílica e esmalte sintético.

Kobra no Mural do poeta Mário Quintana, no Colégio Farroupilha, em Porto Alegre (RS) Foto: Marina Meyer/Colégio Farroupilha

 

No exterior, sua primeira obra foi feita na França. De lá para cá, o artista já viajou os cinco continentes, levou suas obras para mais de 30 países e, apenas nos Estados Unidos tem 50 obras expostas. Em 2018, foi escolhido como uma das personalidades em Nova York, pela revista Time Out. Na cidade americana estão 19 murais no artista, um dos mais famosos estampa o rosto de Michael Jackson em suas duas versões: menino e adulto.

Black or White (Michael Jackson) Foto: Ben Lau / Ben Studio

“Acredito que a principal galeria para os artistas apresentarem suas obras seja a rua, com grafite, esculturas ou qualquer outro tipo de intervenção, isso é importante para a vida das cidades”, defende Kobra. Além disso, o artista considera que as manifestações artísticas de rua também são benéficas para a democratização do acesso à arte já que pessoas de baixa renda têm acesso livre às obras.

Se Kobra fez das ruas de São Paulo sua tela, nos muros de Belo Horizonte a crew (termo utilizado para um grupo de amigos que cria um projeto juntos) “Das minas de minas” nasceu.  Em 2012, Krol (Carolina Jaued), Nica (Nayara Gessyca), Musa (Louise Libero) e Viber (Lidia Soares), quatro experientes grafiteiras, com mais de 11 anos de atividade, se uniram para criar um coletivo para garantir o espaço feminino, principalmente de mulheres negras, na arte e promover eventos voltados exclusivamente para mulheres.

“Concluímos que a força do grupo seria maior do que a que nós já tínhamos individualmente”, ressalta Krol. Além disso, o objetivo do coletivo é fomentar a criação de outros grupos de mulheres. Para a artista, a questão do gênero e da raça é muito latente na sociedade brasileira, o que é vivenciado pelo grupo nas ruas. “Já sofremos violência verbal, alguns homens acreditam ter o direito de, por exemplo, mexer em nossos materiais, por constatarem a ausência masculina”, lamenta.

Uma forte característica do grupo é justamente transformar suas percepções da sociedade em arte. A coleção de painéis “Nós podemos todos” busca destacar mulheres brasileiras. “Nós contamos um pouco da história de vida dessas pessoas, mesmo que ela seja famosa”, afirma. O projeto se entende também às mulheres moradoras de comunidades de Minas Gerais que, de acordo com a grafiteira, são, muitas vezes, silenciadas. Um dos meios utilizados pelo grupo para viabilizar os projetos desenvolvidos é a participação de editais públicos.

Para a arquiteta e urbanista mineira, Nathalia Medida de Azevedo, a crew tem sido inspiração para muitas mulheres que desejam ingressar no movimento. “Por ser um movimento predominantemente masculino, algumas mulheres ficam com receio de ir par as ruas pintarem mas hoje eu noto uma crescente onda feminina na cena de Minas Gerais”, acrescenta.

A profissional se formou na faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) com um projeto de fotolivro sobre a efemeridade da paisagem urbana trazendo o graffiti (termo em italiano para grafite, utilizado pela arquiteta durante o projeto) e o pixo como destaques.

Nathalia escolheu o tema por conta de sua admiração pela arte de rua. “O segundo motivo, que para mim é o mais interessante, é o que o graffiti sempre esteve presente no meu cotidiano, e no dia a dia de todas as pessoas que moram em centros urbanos. Essa arte interage diretamente com a paisagem urbana, sua construção e identidade”, ressalta. No projeto, a arquiteta correlaciona o urbanismo com essa expressão artística que se originou nas ruas de Nova York, e que hoje está presente nos centros urbanos no mundo.

O fotolivro retrata a visão particular da arquiteta, já que todas as fotos foram registradas por meio do seu celular.  “Com o trabalho procuro criar um diálogo com o leitor sobre os caminhos e eventos que presenciei ao longo de 2017, ano em que tive oportunidade de conhecer os artistas da minha cidade, ouvir suas histórias e até mesmo me aventurar nessa expressão artística que sempre admirei”, afirma.

O artista Stain pintando em muro de um terreno baldio, localizado na região central de Juiz de Fora (MG), foto que integra o fotolivro da arquiteta Foto: Nathalia Medina

Além de arquiteta e urbanista, Nathalia também integra a crew de grafiteiras titulada “As penetras.Assim como as Minas de Minas o grupo de Juiz de Fora (MG) visa protagonizar a presença feminina nos movimentos e promover a democratização de gênero no grafite.

Intervenção na escola municipal Santos Dumont, feito por Nathalia Medina, em Juiz de Fora (MG) Foto – Nathalia Medina

Quanto à união do grafite com a arquitetura, a profissional considera que com o passar dos anos a arte vem ganhando cada vez mais espaço nesse nicho de mercado.“Para a utilização da arte nos projetos, é indispensável conversar com o/a artista deseja chamar para a execução. Cada um tem suas preferências desde a criação da arte até a hora de passar para a parede. Ressalto que graffiteiros são artistas, e que cada um possui o seu estilo”, salienta. Apesar de ter nascido nas ruas, o grafite tem ganhado cada vez mais espaço em projetos comerciais.

 

 

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