Governo reduz verbas e ameaça estudo sobre as cidades

Apenas um em cada dez cursos de Arquitetura e Urbanismo existente hoje no Brasil é custeado com recursos públicos. E a tendência é que o interesse estatal pelo estudo e por pesquisas relacionadas ao planejamento das cidades – o que poderia ser visto como ferramenta para redução de desigualdades e até da violência – siga a correnteza da educação nacional, que enfrenta cortes superiores a 30% no governo Bolsonaro. O recente anúncio de redução de repasses federais a universidades é um dos principais temores dos dirigentes que estão à frente das instituições públicas de pesquisa e graduação em Arquitetura e Urbanismo. “Tudo isso é uma lástima. Não se pode tratar educação como se fosse mercado. Reduções podem ser propostas, mas baseadas em fatores objetivos, produtividade acadêmica e relevância social”, afirmou o arquiteto e urbanista e conselheiro da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA) Gogliardo Maragno.

Quem está vivendo de perto essa realidade alerta que o quadro é grave. Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Nivaldo Andrade, lamenta vivenciar retrocesso desses moldes. Segundo ele, pesquisas essenciais como a desenvolvida sobre a transmissão do Zika Vírus, em projeto que integra saúde e saneamento básico, tiveram origem em projetos das universidades como a UFBA, UnB e Universidade Federal Fluminense (UFF), taxadas como “ameaça” e balbúrdia. Estão em risco, alerta ele, bolsas de pesquisa e até o custeio direto dos cursos de graduação. “É um retrocesso imenso. O que estamos assistindo é o desmonte da universidade pública gratuita e de qualidade”. E garante: o movimento trará um impacto imenso no ensino de Arquitetura, uma bandeira antiga das entidades de classe. “Cortes já aconteceram e isso é sempre negativo. Mas agora temos um que vem por questões ideológicas em retaliação a ações adotadas pelas universidades em defesa da democracia”, desabafa.

A preocupação também está na pauta de debates da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA). Segundo o presidente da FNA, Cicero Alvarez, o desmonte do sistema público de ensino de Arquitetura e Urbanismo obstrui a reflexão sobre a cidade. “O que vemos é um movimento nefasto e muito perigoso. Os profissionais devem compreender o que está por trás de todo esse movimento e lutar pelo direito de todos à educação e à cidade”.

A falta de recursos nas universidades e nos próprios cursos de Arquitetura e Urbanismo já é uma realizada de Sul a Norte do país, e a projeção é que as universidades tenham condições de manter suas contas em dia, no máximo, até o mês de setembro. Em Pelotas, por exemplo, o reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, já conclamou a comunidade a parar assim que os recursos chegarem ao fim. Segundo ele, a instituição tem orçamento anual de R$ 800 milhões, sendo que R$ 720 milhões se referem apenas a despesas com folha de pagamento de ativos e inativos. Do restante, citou ele, o governo federal promoveu corte de R$ 22 milhões em valores utilizados para contratação de terceirizados, o que inclui limpeza, portaria e, inclusive, subsídio à alimentação do restaurante universitário e auxílio moradia de estudantes carentes. Os investimentos também foram freados em menos R$ 7 milhões. Posição essa que, se não for revertida, alerta ele, representará o colapso da universidade. “Trata-se de perseguição política. O governo elegeu as universidades federais como inimigas”, salientou o reitor em recente entrevista.

Situação similar se vê na Bahia. Nivaldo Andrade cita os cortes que vêm sendo feitos em custeio e em projetos de pesquisa da UFBA. Já o pró-reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Thiago Galvão, informa que a instituição teve R$ 55,8 milhões bloqueados pelo governo federal. Falta de recursos que também traz impacto na estrutura oferecida e na segurança de alunos e funcionários de diversas instituições. No início deste mês de maio, equipe do jornal O Dia, do Rio de Janeiro, denunciou as precárias condições de conservação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atingida com corte de 41% nos repasses. A reportagem citou rachaduras em colunas, infiltrações e banheiros interditados, sem falar em fios de energia expostos e elevador danificado.

Frente ao cenário que se alastra no país, o professor da Universidade Federal de Goiás o arquiteto e urbanista Edinardo Lucas acredita que o Brasil está vivendo vários golpes no que tange aos direitos dos cidadãos em relação às cidades. “Se não bastasse o golpe nos sistemas de gestão democrática das cidades, com extinção dos conselhos e de possibilidade de participação da população no planejamento urbano, agora, há risco em relação à pesquisa nessa área”, pontua. O temor, alerta ele, é que os cortes atinjam pesquisas importantes como nas áreas de mobilidade e saneamento e que buscam cidades mais dignas e com novas tecnologias em habitação.

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