Fórum em Defesa do Patrimônio repudia desmontes no DPI do IPHAN

As recentes mudanças arbitrárias nas coordenações regionais do IPHAN levaram o Fórum Nacional em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro a intensificar a frente de resistência às substituições de gestores com extensa qualificação técnica por pessoas sem conhecimento sobre o assunto. O último ataque ao IPHAN foi concretizado no dia 8 de dezembro, com a nomeação do pastor evangélico Tassos Lycurgo Galvão Nunes para a direção do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI).  Nunes não possui em seu currículo nenhuma menção à palavra patrimônio, e nem mesmo passagens por órgãos afins. Seu antecessor, no entanto, o advogado Hermano Queiroz, é mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo IPHAN, com passagem como diretor de Projetos, Obras e Restauro no Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) da Bahia, em 2015; e diretor de Preservação do Patrimônio Cultural, no ano seguinte.

Com o intuito de chamar a atenção da sociedade – movimento que vem sendo feito desde outubro de 2019 quando foi estabelecido com a participação de 19 entidades nacionais – o Fórum Nacional promoveu na noite de quinta-feira (17/12) a live “Em defesa do Patrimônio Imaterial Brasileiro”, encontro com a participação de três ex-integrantes da diretoria do DPI e mediação do historiador Marcos Olender e da arquiteta e urbanista Paula Ismael.

De acordo com Olender, a live tem o objetivo de mostrar mais um ponto de resistência aos seguidos ataques que o corpo técnico do IPHAN vem sofrendo pelo atual governo. “Se trata de uma luta política permanente em defesa do patrimônio”, comentou o historiador que também integra a diretoria de Projetos do Icomos Brasil. “Mais uma vez fomos surpreendidos com a exoneração de quadro técnico, o que nada mais é do que a continuidade de um processo de exonerações onde os substitutos não têm experiência, conhecimento e qualificação alguma para o cargo. Não passam de indicações meramente políticas”, afirmou. No mesmo dia da live, os integrantes do Fórum foram comunicados da exoneração da superintendente do IPHAN de Pernambuco por um engenheiro proprietário de uma empresa de terraplenagem.

A preocupação no evento de ontem, no entanto, recaiu sobre o DPI que passa a ser comandado por Nunes a partir de agora, ação que coloca em risco o futuro do IPHAN e o patrimônio imaterial brasileiro.  A substituição de Queiroz gerou uma nota de repúdio do Fórum que extrapolou a adesão das 19 entidades que o integram: foi referendada por outras instituições representativas da sociedade civil e de profissionais. Também o Coletivo de Servidores do IPHAN lançou Carta Aberta à sociedade alertando sobre os impactos negativos que decisões e canetaços como os que vêm ocorrendo podem provocar ao instituto, à identidade do povo, da cultura e do Brasil. A arquiteta e urbanista Paula Ismael lembrou que o DPI foi criado há 20 anos e, desde lá, foram 46 bens imateriais registrados em diferentes níveis de tombamento – local, estadual, regional e nacional – que representam a diversidade brasileira, a cultura e os povos originários. “São bens que nos conectam e mostram nossa formação. Não podem, de forma alguma, sofrer ameaças e perseguições”, destacou.

O coordenador do Fórum de Entidade, arquiteto e urbanista Nivaldo Andrade, reforçou que o Brasil, neste momento, deveria estar comemorando uma política exitosa com o estabelecimento, há 20 anos, do Departamento Imaterial do IPHAN.  O Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial foi instituído pelo Decreto nº 3551/2000 e é um instrumento legal de preservação, reconhecimento e valorização do patrimônio cultural imaterial brasileiro. “Todo governante tem o direito de substituir gestores por pessoas de sua confiança, mas desde que tenham a qualificação necessária para o cargo”, afirmou Nivaldo.

De acordo com Nivaldo, o DPI exige uma coordenação que tenha profundo conhecimento sobre o campo de atuação, que é bastante complexo. Por lá passaram Antonio Arantes e, mais recentemente, Hermano Queiroz, com gestões ilibadas no desenvolvimento de políticas de salvaguarda do patrimônio. “O que vemos atualmente é a banalização do patrimônio brasileiro e o total desrespeito à população”, mencionou Arantes, mestre em Antropologia Social. Marcia Sant’Anna, do Conselho Consultivo do IPHAN,  destacou que para fazer frente ao cenário de desconstrução do IPHAN acredita na força e resistência dos servidores da própria instituição.  Queiroz, por sua vez, reforçou que na condição de advogado, sempre atuou na defesa do patrimônio, tendo sido o escolhido para comandar o DPI de 2016 a 2020. “Foi um desafio, mas me propus a aceitá-lo com a orientação dos ex-dirigentes e da equipe técnica do departamento”, afirmou.

Durante a live, foram sendo apresentados diversos vídeos de representantes de manifestações culturais registradas pelo IPHAN. Seus representantes enviaram apelos e posicionamentos sobre os ataques e desmonte do patrimônio cultural nacional. O primeiro vídeo foi enviado pela Yalorixá Jaciara Ribeiro, do terreiro Axé Abassá de Ogum, de Salvador. “Estamos muito tristes com o desgoverno, especialmente quando olhamos para a Fundação Palmares. Os ataques recentes à cultura colocam em risco o futuro das religiões com matriz africana. Estamos lutando por ética, equilíbrio, sensibilidade, profissionalismo na preservação do que é nosso.”  A presidente da Associação Nacional das Baianas de Acarajé, Rita Santos, mostrou preocupação com o IPHAN, órgão com mais de 80 anos de atuação pelo patrimônio. “O Brasil inteiro tem que sair em luta, não podemos deixar que pessoas de alto nível de conhecimento sejam trocadas que sequer entendem de tombamento”, conclamou. Outras representações que participaram da live foram Alessandra Ribeiro (Comunidade Jongo Dito Ribeiro), Mestre Paulão Kikongo (Rede Nacional Ação pela Capoeira), Nilcemar Nogueira (Fundadora do Museu do Samba) e Lucas Queiroga (Poeta e Ator – Homenagem ao Cordel).

 

 

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