O Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro e o CAU-RJ/Conselho de Arquitetura e Urbanismo vêm a público manifestar preocupação e repúdio aos processos irregulares de destombamento e demolição de bens em território nacional, fato exemplificado neste momento com o caso emblemático do Solar do Visconde de São Lourenço, localizado na esquina da Rua Riachuelo com a Rua Inválidos, na Lapa, bairro boêmio do Rio de Janeiro.
O imóvel, tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Nacional (Iphan) desde 1938, é uma das construções que evocam a arquitetura singular legada pelo período colonial na cidade. Trata-se de uma das poucas edificações remanescentes da arquitetura civil urbana do período. Além de tombado pela instância federal, o imóvel faz parte da Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) da Cruz Vermelha, sob a tutela municipal.
Sua primeira referência remonta ao terceiro quartel do século XVIII, como um conjunto de edificações térreas. O imóvel pertenceu ao Visconde de São Lourenço, conselheiro de Dom João VI, que, entre 1818 e 1819 realizou expressivas modificações em sua volumetria e compartimentação, segundo as inscrições nos livros da Décima Urbana. Após a morte do proprietário, foi utilizado como colégio e casa de cômodos, tendo sido atingido por um incêndio na década de 1990.
Há mais de uma década seu terreno é usado como estacionamento e há cerca de dois anos, foi adquirido por uma empresa que explora estacionamentos na área central da cidade. Os proprietários anteriores, herdeiros do edifício tombado, apesar de serem alvo de ações do Ministério Público para restaurá-lo, não escondiam que a falta de zelo para com o imóvel era motivada pelo interesse em deixar a construção ruir para oferecer o terreno ao mercado imobiliário.
A luta do IPHAN, do órgão municipal de tutela do patrimônio cultural e de várias entidades e instituições da sociedade civil pela preservação do Solar Visconde de São Lourenço levou anos. Por este motivo, causa assombro o PARECER TÉCNICO nº 10/2022/CGID/DEPAM, de 13 de janeiro de 2022, que determina “a averbação no Registro do Tombo do cancelamento do tombamento em virtude do seu perecimento, e consequente ausência de materialidade”.
As entidades aqui signatárias consideram que há um sério equívoco quanto ao embasamento e aos procedimentos administrativos neste processo de destombamento. A materialidade do bem é visível, como bem demonstra a denúncia de demolição iniciada ilegalmente no dia 13 de fevereiro e documentada por fotos na mídia. Trata-se, por sua vez, de demolição ilegal, uma vez que não houve licença expedida pelo poder público municipal. Além disso, os trâmites determinados pelo Decreto-lei 3866/1941, que rege o instrumento de destombamento, não foram cumpridos. Entre outros erros de condução, o Conselho Consultivo do IPHAN não foi consultado.
O abandono do Solar Visconde de São Lourenço reflete o descaso da esfera federal para com a preservação da memória, da cultura e do patrimônio coletivo. Não há justificativa cabível para o destombamento e demolição deste imóvel. A estabilização das ruínas do palacete e sua restauração, com base nos diversos levantamentos e estudos existentes, realizados por profissionais com notória experiência no campo da conservação e restauro, como José Pessoa e Noemia Barradas, além de tantos outros estudos e propostas elaboradas por estudantes ao longo dos anos, e a única alternativa coerente para com a significância cultural deste bem tombado para a cidade do Rio de Janeiro e sua conservação para as gerações futuras.
Assim sendo, o Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro e o CAU-RJ/Conselho de Arquitetura e Urbanismo, repudiam veementemente o destombamento e a demolição ilegais do Solar Visconde de São Lourenço.
Brasil, 17 de Fevereiro de 2022.
Subscrevem o documento:
CAU-RJ/Conselho de Arquitetura e Urbanismo e as entidades abaixo, que compõem o Fórum,
- ABA – Associação Brasileira de Antropologia
- ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas
- ANPUH – Associação Nacional de História
- ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
- ANTECIPA – Associação Nacional de Pesquisa em Tecnologia e Ciência do Patrimônio
- CBHA – Comitê Brasileiro de História da Arte
- DOCOMOMO Brasil – Seção Brasileira do Comitê Internacional para a Documentação e Conservação de Edifícios, Sítios e Conjuntos do Movimento Moderno
- FNA – Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas
- FNArq – Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil
- IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil
- ICOM-BR – Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus
- ICOMOS Brasil – Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
- SAB – Sociedade de Arqueologia Brasileira
- SBS – Sociedade Brasileira de Sociologia
- TICCIH Brasil – Comitê Brasileiro para a Conservação do Patrimônio Industrial
Confira o documento completo aqui.
Fonte: Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro