Descarbonização: um desafio para os arquitetos e urbanistas

A descarbonização é um processo que visa reduzir significativamente as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). No setor da construção civil, esse processo é desafiador, pois deve ser pensado ao longo do ciclo de vida das edificações, desde a extração de materiais até a construção, uso, demolição e destinação dos resíduos.

A redução de GEE é uma estratégia essencial para limitar o aumento da temperatura global entre 1,5°C e 2°C até o final do século XXI, conforme estipula o Acordo de Paris. Segundo o Conselho Internacional da Construção (CIB), a indústria da construção civil é um dos setores de atividades humanas que mais consome recursos naturais, sendo responsável por cerca de 30% das emissões globais de GEE, 40% do consumo de energia e 30% dos resíduos gerados.

Arquitetos e urbanistas desempenham um papel crucial na descarbonização do setor da construção, pois é no projeto que são definidas as estratégias de ocupação do solo, especificação de materiais e sistemas que geram resíduos ou consomem energia ao longo da vida útil do imóvel. Nesse contexto, os materiais de construção civil têm um impacto significativo, pois sua produção envolve a extração de matérias-primas da natureza, o transporte com uso de combustíveis fósseis e, geralmente, um alto consumo de energia e/ou água durante a fabricação. Materiais como aço, cimento, cerâmica vermelha e revestimentos cerâmicos são grandes consumidores de energia e emissores de GEE, representando quase 80% do consumo energético das edificações. Portanto, a escolha e a gestão desses materiais são fundamentais para reduzir a pegada de carbono das construções e promover a sustentabilidade no setor.

O estudo do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa) de 2023 destaca que os setores produtivos que mais emitem GEE no Brasil são: mudança do uso do solo e florestas; agropecuária; energia; resíduos; e processos industriais e uso de produtos.

Figura 1 – Emissão de Gases do Efeito Estufa por setor no Brasil

Fonte: Adaptado de SEEG, 2023 por Alessandra Brito/Descarbon

O setor da construção impacta diretamente em:

Mudança do uso do solo aumento da urbanização, impermeabilização do solo, supressão de vegetação, construção em áreas de proteção ambiental, entre outros.

Energia ausência de arquitetura bioclimática para aquecimento e resfriamento das edificações, uso de fontes de energia não renováveis, entre outros.

Resíduos falta de aproveitamento de materiais existentes em reformas, ausência de projetos com princípios de coordenação modular, controle inadequado dos materiais na obra, entre outros.

Uso de produtos escolha inadequada de materiais para fachadas expostas ao sol e utilização de materiais com alta energia e carbono incorporado.

O poder público também é responsável por regulamentar, fiscalizar e criar políticas de incentivo à descarbonização. Muitas cidades implementaram seus próprios códigos de edificações, ou criaram mecanismos como o IPTU verde, incentivando práticas sustentáveis, ainda que esta não seja uma realidade em todo o país.

A fim de incentivar a descarbonização no Brasil, o Projeto de Lei 2148 (PL 2148/2015) institui tetos para emissões de carbono, cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SBCE), regulamenta o mercado de carbono e precifica a geração excessiva de GEE para que o país atinja os compromissos de redução de emissões de GEE assumidos no Acordo de Paris.

Em tempos de crise climática, os projetos de arquitetura devem ir além dos requisitos estéticos e funcionais, incorporando princípios éticos e padrões de sustentabilidade para um impacto positivo no ambiente e na sociedade. Estratégias de descarbonização podem aumentar a resiliência das cidades a eventos extremos, como os vivenciados no Rio Grande do Sul.

De acordo com Andréa dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), “o passo que devemos dar rumo à redução de impacto ambiental e à descarbonização vai além das políticas públicas e da participação das comunidades locais. Isso se inicia com a conscientização dentro da formação dos profissionais nas instituições, universidades e entidades sindicais”.

“Para avançar em projetos, obras, edificações que prezam pela sustentabilidade hoje, também é preciso avançar em conteúdo didático sobre o tema para a categoria”, acrescenta a presidente.

Segundo Alessandra Brito, arquiteta e urbanista, mestra e doutora em Engenharia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e fundadora da Descarbon “a descarbonização da construção civil começa com o reconhecimento, pelos profissionais do setor, dos impactos de suas atividades. A partir daí, é crucial que ajam de maneira adequada e com a urgência necessária”.

“Mesmo diante dos prejuízos causados por eventos extremos, os profissionais do setor da construção e a população afetada ainda não alteraram significativamente seus hábitos de construção e consumo”, acrescenta Alessandra.

Para ela, a descarbonização de cidades passa por estratégias de planejamento onde a população possa a ter suas necessidades básicas (trabalho, alimentação, educação e saúde) perto de casa. Na chamada cidade de 15 minutos, as principais atividades da vida cotidiana podem ser feitas em um raio de 15 minutos; seja a pé, de bicicleta ou ônibus.

Em suma, a descarbonização ainda é um desafio para os profissionais de arquitetura e urbanismo. É fundamental que compreendam o impacto de suas ações nas mudanças climáticas e se engajem em debates que incentivem a implementação de práticas sustentáveis nos projetos e no planejamento urbano. Alessandra conclui: “Precisamos mudar nossos currículos dos cursos de arquitetura e nossa forma de planejar cidades. Não dá mais para planejar cidades olhando para os índices já utilizados. Os desafios da descarbonização exigem soluções interdisciplinares e holísticas e os arquitetos devem estar preparados para liderar esse desafio”.

Por fim, para construirmos um futuro resiliente e sustentável para essa e as próximas gerações, é imperativo que os profissionais de arquitetura e urbanismo adotem uma abordagem integrada, que vá além das práticas convencionais. A transformação necessária requer um compromisso contínuo com a inovação e a colaboração entre diversas disciplinas, garantindo que a sustentabilidade esteja no centro da vida das pessoas e das cidades.

Foto: Freepik

Rolar para cima