Déficit habitacional afeta 60% das mulheres do país

A cidade se expande, desenvolve e renova. Entretanto, desconsidera a maior parte de sua população que ainda não tem acesso à habitação de qualidade. Hoje, 3,4 milhões de mulheres no Brasil são responsáveis por domicílios considerados inadequados para morar. Ainda que haja políticas públicas que as defendam, estas não cobrem todas as deficiências por elas sofridas, fazendo com que números como esse aumentem ano após ano.

O déficit habitacional é composto por famílias ou pessoas que vivem nas seguintes situações: casas improvisadas e/ou extremamente precárias, que dividem uma mesma residência com outra família, ou que pagam um caro aluguel e acabam por não ter renda suficiente para subsistência.

Um agrupamento de dados feito pela Fundação João Pinheiro (FJP), com base em números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam maiores problemas de habitação com mulheres. Foram analisados na pesquisa os seguintes aspectos entre a população feminina e masculina que compõem o déficit habitacional absoluto: habitação precária, coabitação, ônus excessivo de aluguel urbano.


Conforme o levantamento, no período de 2016 a 2019, o déficit cresceu um total de 5,7% (de 54,3 para 60%), considerando suas condições: a habitação precária aumentou de 54,9 para 58,7%, já a coabitação subiu de 49,9 para 56,3%, o ônus excessivo cresceu de 56,4 para 62,2% entre as mulheres.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) apontam que, em 2023, as mulheres chefiam a maioria dos domicílios brasileiros. A porcentagem total dos lares passou de 35,7% para 50,9% em um período de 10 anos.

A Lei 11.124/05, que instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, viabiliza à população de menor renda o acesso à terra urbanizada e habitação digna, além de estabelecer que casas de interesse social sejam registradas, preferencialmente, em nome de mulheres. Todavia, o déficit habitacional é um desafio complexo que vai além da construção de moradias, atravessando questões como acesso a crédito, regularização fundiária, planejamento urbano adequado e programas de inclusão social.

A pobreza acentuada entre a população feminina (ou sua feminização) também denota um componente demográfico. Muitas das famílias chefiadas por mulheres são, sobretudo, com baixa renda. Neste grupo estão mães solteiras (ou solo), divorciadas e abandonadas por seus parceiros.

Com relação direta com questões de habitação, a violência doméstica é uma demanda social invisibilizada, que afeta 1 em cada 4 brasileiras, principalmente aquelas sujeitas às discriminações e desigualdades interseccionais. Neste recorte, a grande maioria das mulheres acaba lidando com o denominado despejo relacionado à violência doméstica, quando deixam seus domicílios para escapar das violências, mesmo que de modo provisório, recorre a casa de familiares ou amigos (coabitação) ou arca com custos de aluguel superior aos seus ganhos financeiros (ônus excessivo).

Sem ter para onde ir e sem encontrar alternativas viáveis junto às políticas públicas, essas mulheres procuram nas ocupações de moradia uma alternativa habitacional, junto a um acolhimento emocional.

Segundo a coordenadora do Movimento Nacional de Luta por Moradia no Rio Grande do Sul (MNLM/RS) e bacharela em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ceniriani Vargas da Silva, nota-se no crescimento do déficit habitacional da população feminina uma relação intrínseca com a falta de políticas públicas efetivas, sejam de produção habitacional ou de regulamentação do uso e ocupação do solo urbano.

“Sem a regulamentação, o poder do capital e da especulação imobiliária dominam as cidades, inviabilizando os custos de projetos públicos de habitação popular e tornam a moradia e a terra muito caras e inacessíveis para a população mais empobrecida”, afirma Ceriniani.

Ela adiciona que “para as mulheres que ainda recebem os menores salários, além de realizar todo o trabalho doméstico não remunerado, a casa própria se torna um direito quase inalcançável”, possuindo uma longa trajetória de luta por direitos sociais (como a habitação digna e o trabalho) voltados, especialmente, às mulheres em situação de vulnerabilidade social. 

Enquanto coordenadora de movimento popular, ela igualmente exige das autoridades avanços em projetos de moradia popular que beneficiem famílias de baixa renda no centro de Porto Alegre, capital gaúcha.

Já que a moradia é a porta de entrada para todos os direitos, o alto número de mulheres vivendo em instalações precárias pode ser diminuído com políticas públicas e ações voltadas para a garantia de direitos a fim de não excluí-las das áreas urbanas, como aponta Ceriniani:

“Tenho participado ativamente dos debates de construção de política habitacional e de programas importantíssimos como o Minha Casa Minha Vida (MCMV), que na história do Brasil é o programa que mais garantiu moradia para as mulheres, priorizando a titularidade em nome delas.”

O investimento contínuo em moradias bem localizadas com infraestrutura adequada endereçadas a mulheres é parte fundamental do início de soluções a longo prazo que cumpram a função social da propriedade, permitindo a participação efetiva e democrática delas no cotidiano das metrópoles.

Para a ativista, “são elas que peregrinam em busca de atendimento médico para a família, da vaga na creche, caminham quilômetros diariamente carregando água em latas e baldes, dedicam horas no deslocamento dos filhos até a escola e ao seu trabalho”. Ela acrescenta que são mulheres e meninas “as mais expostas à violência sexual vivendo em pequenos barracos sem nenhuma privacidade”.

Tais dificuldades causam desgaste físico e até mesmo afetam a saúde mental, mas principalmente reduzindo o tempo disponível para atividades que garantam sua qualificação, formação e possível autonomia, como reforça Ceriniani:

“Muitas vezes por insegurança, ou medo de sofrer assédio ou violência, as mulheres são impossibilitadas de viver plenamente em suas cidades, limitam sua mobilidade e o desenvolvimento de suas potencialidades.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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