Décadas pela preservação do Patrimônio 


Por Leticia Szczesny/ Imprensa FNA
Nascido em Mamanguape, na Paraíba, o arquiteto Glauco de Oliveira Campello tinha três anos de idade quando o então presidente Getúlio Vargas anunciou a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), atualmente chamado de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Passadas oito décadas, sendo cinco delas dedicadas ao Patrimônio, o arquiteto e urbanista vê sua trajetória atrelada à da autarquia. Entre 1980 e 1998, foi diretor regional e presidente da instituição, onde viveu um tempo de dedicação e luta pela preservação da memória do país.
Formado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil em 1959, Campello iniciou seus estudos na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), de onde saiu rumo ao Rio de Janeiro com o sonho de trabalhar ao lado de Oscar Niemeyer. “Com o início dos trabalhos no Planalto Central, Niemeyer resolveu transferir o escritório para o canteiro de obras da futura capital, e, na ocasião, convidou-me a integrar o grupo a ser transferido para lá. Desde então, nos tornamos amigos e, após a inauguração da Nova Capital, passei a integrar o Centro de Planejamento da Universidade de Brasília, para o qual Darcy Ribeiro o havia convidado”, lembra.
Foi por indicação do próprio Niemeyer que o arquiteto paraibano mudou-se para Milão, na Itália, onde, de 1972 a 1975, trabalhou no desenvolvimento do projeto para a sede da Editora Mondadori. Também nesse período, na condição de membro do Departamento de Obras do grupo Mondadori, fez outros projetos como um restaurante para a fábrica de Ascoli e um novo estabelecimento em Trento, em uma área controlada por tombamento paisagístico. Ao voltar ao Brasil, criou, em associação com José Luís França de Pinho, um escritório de planejamento e arquitetura. No escritório, nasceram projetos como a sede nacional da IBM, o conjunto de edificações do Parque Recreativo de Brasília, o Terminal Rodoviário de João Pessoa entre outros.
Do atelier de arquitetura à linha de frente da maior autarquia voltada para o patrimônio nacional foi um passo. Seu trabalho no Instituto começou em 1982 ao assumir a Diretoria Regional do Iphan no Rio de Janeiro a convite do velho amigo Aloísio Magalhães, de Pernambuco. Entre 1993 e 1998, assumiu a presidência do instituto, um período que, segundo ele, foi marcado “por engajamento no serviço público e muitos estudos sobre a questão da restauração e preservação do patrimônio edificado e proteção ao bem cultural”.
Ao deixar o Iphan, em 1998, Campello seguiu com a atuação voltada para o patrimônio cultural. “Recebi do Ministro Francisco Wefffort o convite para elaborar um estudo sobre o patrimônio arquitetônico brasileiro, o que resultou no livro “O brilho da simplicidade”, publicado em 2001”, conta. Foi então que passou a atuar somente em seu atelier de arquitetura que, hoje, encontra-se instalado no edifício do Amarelinho, na Cinelândia. “No período em que me dediquei exclusivamente ao meu atelier, os projetos de restauro e adaptação para novos centros culturais foram frequentes: antigo Tribunal Eleitoral Nacional, na Rua 1° de Março, Museu e Centro Cultural da Casa da Moeda, obras até hoje não concluídas”, recorda.
Campello inclui em seu vasto portfólio o projeto de renovação e ampliação da Biblioteca Pública do Rio de Janeiro, uma obra original de sua autoria. “A construção inicial, em pré-moldados de concreto armado, é de 1984, e a renovação efetivou-se entre 2008 e 2013”, detalha. Mas entre todos os projetos voltados para a área da cultura, um dos preferidos do arquiteto é o do anexo do Museu de Arte Moderna, destinado a abrigar a Coleção de Marco Antônio Vilaça de arte contemporânea (de 2009) que, mesmo tendo recebido aprovação no Conselho de Tombamento do Iphan, não chegou a ser construído. Outro projeto importante, o do Instituto Casa Roberto Marinho, veio a ser estudado e realizado em todas as suas etapas de projetos e obras, com a participação ativa dos responsáveis pelo empreendimento no período de 2015 a 2018.
Aos 86 anos, o arquiteto tem suas obras documentadas no livro publicado pela Escola da Cidade, em São Paulo, “Glauco Campello: Caderno de Arquitetura”, e mantém o seu atelier na Cinelândia. Segundo ele, o espaço está localizado no coração da cidade, circundado pela Câmara de Vereadores, o Teatro Municipal – cujo anexo ao fundo é projeto seu – o Museu de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, além do Centro Cultural do Supremo Tribunal Federal, em que o restauro é de sua autoria.
São os monumentos à sua volta que mantêm, ainda hoje, viva a lembrança do tempo em que atuou no Iphan. “Convivo com a cidade, suas alegrias e suas aflições, hoje acrescidas com o problema da pandemia. Ouço os colegas mais jovens que ainda estão no Iphan aflitos com os descalabros que ameaçam a instituição e ansiosos por uma reação para salvá-la. Mas eu lhes digo que a tragédia não atinge só o Iphan, mas a todas as instituições na área da cultura. Salvar apenas o Iphan é tarefa impossível e talvez inútil”, defende Campello. Segundo o arquiteto, o momento vivido pelo país é grave e insano, onde não se defende os interesses nacionais e não há preocupação com a educação, com a saúde e o meio ambiente. “O poder executivo é autoritário e imprevisível, os demais são tímidos e aferrados a interesses políticos menores. E tudo mais parece consequência desse desconcerto”, conclama.
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