A cidade é construída por espaços públicos e abertos a todos. Mantê-los é uma das muitas maneiras de garantir o exercício da cidadania plena, pois seu ordenamento demonstra aspectos vitais para a revitalização e a qualidade de vida no meio urbano. A atual inadequação de tais espaços requer uma transformação das práticas que concretizem bons projetos urbanísticos que conectem as pessoas e a rua por meio da ocupação democrática da cidade.
Quando diversificados e vivos, os espaços da cidade estimulam a convivência e convidam as pessoas a estarem na rua, de forma que se tornem menos desiguais, mais ricas e mais democráticas. Ou seja, as pessoas estarão na rua ao sentirem segurança e assim, a rua será um ambiente mais seguro quanto mais pessoas estiverem nelas.
As ruas, calçadas, orlas, praças, parques, feiras e outros espaços têm diversas funções, que incluem a circulação de pedestres, lazer, manifestações populares, práticas esportivas, entre outras atividades culturais e cívicas. Os espaços públicos são classificados em dois tipos: locais de permanência e circuitos. Os espaços de permanência estimulam ações e comportamentos espontâneos, como passeios, encontros, brincadeiras, jogos e descanso. Em geral, têm mobiliário próprio como bancos para descanso, brinquedos para crianças, quadras de esportes e equipamentos de ginástica, bem como as áreas verdes que complementam as funções de convivência social.
Já os circuitos – também chamados de percursos urbanos – permitem a passagem de pessoas e veículos. Nas áreas metropolitanas, têm gerado aglomerações que causam transtornos na mobilidade, tanto para quem utiliza transporte público ou individual quanto para quem se locomove à pé, sendo atualmente um dos principais problemas de inadequação aos espaços públicos junto com a segurança.
Para isso, compreender que o espaço público é domínio da administração pública, cuja responsabilidade é compartilhada com os cidadãos, para que tais locais possam ser seguros e cuidados novamente e assim possam voltar a ser frequentados.
Investir em políticas públicas de revitalização dos espaços públicos urbanos constituem elementos estruturantes da vida urbana, uma vez que reforçam a fixação de recursos humanos capazes de estruturar e dar coesão ao espaço urbano. O Projeto de Lei n° 765/2023 da Câmara dos Deputados, por exemplo, institui política nacional de apoio a iniciativas que destinem trechos de vias, praças, largos e lugares públicos para atividades de cultura, lazer e esporte, procurando abranger todos os entes federativos e estendendo-se para ações temporárias ou permanentes.
“O uso adequado dos espaços públicos, além de um plano urbanístico, requer a apropriação dos espaços públicos da cidade pelos diversos públicos. Do contrário, não há ocupação democrática da cidade”, afirma Andréa dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA).
“E com isso, tem algo importante: a adequação retoma o sentimento de pertencimento. Ao entender que as praças e parques, assim como os museus, as bibliotecas e edificações públicas são meus – isto é, fazem parte do meu direito como cidadão e cidadã – há o reconhecimento do e no espaço e com isso, sua manutenção e preservação”, destaca Andréa.
Para Alessandro Filla Rosaneli, presidente da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP) e coordenador do Observatório do Espaço Público (OEP), “os espaços públicos são essenciais para nós humanos, pois somos seres sociais. Ou seja, não conseguimos sobreviver isoladamente”.
Rosaneli completa: “Uma cidade com espaços públicos que permitam o desenvolvimento dessa nossa necessidade de relacionamento, de troca, são cidades mais seguras, mais acolhedoras, mais vibrantes. Mas espaços públicos também são fundamentais para lidar com as três maiores crises globais da humanidade (a emergência climática, a injustiça social e a saúde pública). Pode-se dizer que não há como conceber nenhuma cidade sem espaços públicos. Portanto, investir em espaços públicos é investir na vida”.
E continua: para planejar espaços públicos que atuem de maneira eficiente no funcionamento das cidades, um importante passo é constituição de uma comissão municipal que lide com as questões que emanem do espaço público, constituída pela sociedade civil organizada, com participação de profissionais de variadas formações e de munícipes, para discutir e aprovar os temas que diariamente são tratados pela Administração Pública e que não conseguem ser resolvidos adequadamente.
Com isso, para preservar tais espaços e fazer com que a população se sinta pertencente aos espaços públicos, o coordenador do OEP conclui:
“Pertencer ao espaço público é lidar com a sua essência constitutiva, sua definição primeira, que diz respeito ao grau de sua abertura, de sua acessibilidade simbólica. Ou seja, o quanto o espaço público é suporte para as mais distintas e diversas atividades humanas, de todos e todas, sem exceção. O quanto ele abriga, acolhe, concede. Para que um espaço público seja aceito como tal e frequentado pelas pessoas, ele deve corresponder aos anseios de uma dada comunidade, captar e respeitar a paisagem em que ele se insere e, por fim, deve ser cuidado pela administração pública, com manutenção e gestão adequadas, para que as atividades ali presentes estejam em sintonia com o que seu entorno carece ou tem o potencial para abrigar.”
Foto: Freepik