Buscando possibilidades pela utopia das habitações amazônidas

Inspirada em destacar um lugar dentro da Arquitetura e do Urbanismo, e assim iniciar a reversão do apagamento das produções nortistas, Ananda Henklain tem voltado seus estudos para elaboração de discussão crítica sobre as produções do local onde vive. A partir dos contextos culturais que cercam a cidade amazônica de Boa Vista, no estado de Roraima, a arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), dedicou seu trabalho de conclusão de curso (TCC) a desenvolver um protótipo habitacional resistente às áreas inundáveis. Intitulado “Entre Rios, Veredas e Igarapés: Proposta habitacional para autoprodução amazônida do lavrado”, a produção teve como orientador o professor Rui Alexandre Ramos Duarte do Rosário e figurou entre os melhores projetos do curso de Arquitetura e Urbanismo em 2022, segundo o portal de notícias ArchDaily.

O estudo preliminar é replicável em áreas alagáveis de Boa Vista, sob as premissas de autoconstrução, flexibilidade e racionalidade construtiva. “O foco é ser uma manifestação genuína de algo que poderia ser uma identidade da produção urbana e habitacional de Boa Vista. Justamente para marcar um contraponto na discussão sobre se enxergar a Amazônia como homogênea”, detalha Ananda. Esta iniciativa está reforçada na inclusão do termo amazônida no título da monografia. Cunhado pelo autor Lúcio Flávio Pinto, no artigo ‘A utopia amazônida’, publicado em 2018, aponta para uma relação associativa com o meio natural: “O conceito de amazônida envolve a individualidade da região, cuja caracterização, existência e persistência a sua vinculação à água, a luz e a floresta, como um organismo integrado, é indispensável”.

“Diferente de amazônico, amazônida reflete a utopia da relação simbiótica com o meio ambiente. Estamos longe desta realidade. Mas, para ver, precisamos olhar e reconhecer as diferenças: a Amazônia não é somente aquela floresta fechada do imaginário popular. Boa Vista, por exemplo, fica no lavrado com vegetação similar ao cerrado e de aspecto pós queimada, muito diferente da caricatura que se criou da região. Somos amazônicos, mas somos diferentes e possuímos tradições em nossa trajetória urbana que são amazônidas”, propõe Ananda.

No caminho para desbravar este olhar, que reconhece as diversidades e busca reverter o apagamento da cultura nortista, Ananda reforça o fato de cidades como a capital de Roraima serem citadas em manchetes nacionais em casos excepcionais, geralmente ligados a acontecimentos trágicos, como a atual chacina dos Yanomami e a onda migratória de venezuelanos. “As questões Yanomami e dos imigrantes venezuelanos são simbólicas. São tragédias, acontecem e precisam ser vistas. Mas, para além disso, tratar a região amazônica como uma paisagem só é uma forma de se alienar as contradições e impedir que exista um total entendimento sobre cenários complexos. O que quero de reivindicar é falar sobre a Amazônia sob o olhar de quem mora aqui, ressaltando a importância de falar também das cidades, da zona urbana amazônica e como é afetada pelo modelo de desenvolvimento brasileiro”, aponta.

A jovem arquiteta destaca ainda outras fortes marcas e seus legados na cultura boavistense, como a ocupação militar e a administração da tríplice fronteira, ao lado da Guiana e da Venezuela. “Nosso modelo de ocupação foi tratado de forma submissa. A dinâmica de gestão territorial é própria da militarização e suas intervenções, que se reforçam por ser uma cidade amazônica, intensificando questões como segurança nacional e os ideais nacionalistas que podem vir atrelados”, aponta. Segundo ela, no cenário político, por exemplo, as explicações a respeito da preferência eleitoral da região ignoram esse histórico e o quanto interfere na escolha por candidatos com postura militarista, desprezando as dinâmicas locais. “Mas, esta ignorância é bem aproveitada, já que é muito mais fácil especular motivos e encaixá-los em determinadas propostas, a compreender o que se passa”, analisa Ananda.

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