Arquitetos e urbanistas ajudam a construir espaços mais seguros aos idosos

Leticia Szczesny/Imprensa FNA

Com o passar dos anos, as “dorzinhas” nas articulações começam a aparecer, a visão já não é mais a mesma e a força passa longe daquela da adolescência. Sinais de que a “velhice” chegou. Segundo dados divulgados no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017 a população com 60 anos ou mais somou 30,2 milhões. Um ano antes, eram 29,56 milhões e, em 2012, 25,4 milhões – ou seja, em 5 anos, o país ganhou 4,8 milhões de idosos, um acréscimo de 19%. Com o número de idosos crescendo, os arquitetos e urbanistas tiveram que se especializar nas necessidades dessa parte da população. Afinal, o piso molhado do banheiro parece mais escorregadio depois de certa idade.

Neste contexto, a acessibilidade torna-se algo indispensável no planejamento de uma residência direcionada a idosos. Ilustrada por problemas comuns e diários, como: mobilidade, dificuldades de acionamento de maçanetas de portas e de comandos de torneiras e registros, a falta de acesso pode ser um grande obstáculo. Por isso, de acordo com o arquiteto e urbanista Eraldo Francisco da Rocha, que também é professor titular da Universidade do Sagrado Coração (USC), em Bauru (SP) e dono do Escritório de Arquitetura Eraldo Rocha, é necessário que os profissionais não fiquem restritos somente a questões estéticas e comerciais dos ambientes – por mais que seja o desejo dos clientes – mas levem em consideração os impasses trazidos pela idade. “A acessibilidade é um tema obrigatório e presente inclusive nas legislações que regem o desenvolvimento de projetos de arquitetura e urbanismo”, afirma.

Foto: DGLimages/Istock

De acordo com o artigo “Moradia Segura – Curso de Cuidadores”, da arquiteta e urbanista Flavia Boni Licht, em construções novas e/ou nas já existentes – tanto numa instituição como numa residência unifamiliar (casa ou apartamento) – devem ser levados em conta quatro aspectos fundamentais se o objetivo for uma moradia segura. São eles: prevenção de quedas e outros acidentes domésticos, facilitação da mobilidade física (no interior e no exterior da edificação – no jardim, inclusive, quando se trata de uma casa), facilitação do acesso e uso dos banheiros (diminuindo inconvenientes das incontinências). Os banheiros e as cozinhas, são as áreas de maior risco e limitação de atividades para os idosos, exigindo dos profissionais maior orientação para, na medida do possível, anular barreiras nessas locais.

Para garantir a segurança dos idosos e também o bem-estar, Flávia recomenda ser essencial algumas medidas, como a colocação de corrimãos nos dois lados de um degrau, de uma escada, de rampas e de corredores. A instalação de barras de apoio no chuveiro e junto ao vaso sanitário; a elevação da altura do vaso sanitário; substituição das maçanetas e torneiras “de bola” por maçanetas e torneiras de alavanca; colocação de espelhos luminosos nos interruptores, os quais, preferencialmente, deverão contar com regulador de intensidade da luz ambiente, também são adaptações relevantes.

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Além disso, segundo ela, algumas ações simples e baratas podem ser realizadas para garantir um ambiente mais seguro. São elas: eliminação de tapetes, sua fixação no piso ou, ainda, a colocação de forros anti-deslizantes entre os tapetes e o piso; retirada de fios de luz do “meio dos caminhos”; colocação de cadeira plástica dentro do box; colocação de uma iluminação noturna no trajeto dormitório/banheiro bem como uma iluminação adequada em todos os ambientes da casa; preferência pelo uso de cadeiras, poltronas e sofás com braços; elevação da altura da cama de forma a ser compatível com o usuário. “Nestes casos, porém, é necessário o respeito e extrema atenção antes de iniciar qualquer modificação, por mais óbvia e indispensável que possa parecer. Um tapete, por exemplo, que pode, para quem chega de fora, significar apenas um estorvo ou um gerador de quedas, talvez tenha sido adquirido na lua-de-mel há mais de cinquenta anos”, afirma Flavia.

Por isso tudo, a maior exigência de um bom projeto, de acordo com Eraldo Rocha, é estar comprometido com a sociedade em que está inserido e não só, em atender os desejos individuais do cliente. “É não descuidar dos detalhes de acessibilidade e da preocupação com os usuários, sejam eles quem forem”, aponta. Nessa mesma linha, Flavia acrescenta que o resultado de um projeto deverá obrigatoriamente proteger, abrigar, dar segurança ao ser humano, independentemente de sua idade ou condição física. “Se não for assim deixa de ser arquitetura. Até porque a arquitetura e a moradia, sua primeira expressão, nasceram da necessidade de o homem proteger-se, abrigar-se, sentir-se seguro”, explica.

Seguro (a) para sair

A acessibilidade, porém, não deve restringir-se as quatro paredes. É necessário que os arquitetos e urbanistas estendam a preocupação com o bem-estar dos idosos aos espaços públicos. E quando o assunto são as ruas, segundo Eraldo Rocha, o maior problema pode ser percebido na maioria das calçadas. “É comum encontrarmos várias, que não tem uma continuidade de pavimentação e organização da ocupação do espaço público. Com arborização, postes, lixeiras e tantos outros equipamentos e mobiliários urbanos colocados aleatoriamente sem uma lógica de alinhamento e organização, fazendo a circulação por elas, caminhando ou sentado numa cadeira de rodas, uma verdadeira pista de obstáculos”, destaca.

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Barreiras – como calçadas sem pavimentação adequada, degraus altos nos transportes públicos ou locais públicos sem acessibilidade -, segundo a arquiteta e urbanista Flavia Boni Licht, acabam gerando a exclusão dos idosos dos ambientes sociais. “Basta lembrar, como exemplo, que as sinaleiras para pedestres são reguladas considerando 1,2 m/s como velocidade de passo e os idosos caminham a 0,4m/s, com passos curtos e indecisos. Ou seja, mesmo numa faixa de segurança, dificilmente conseguirão atravessar uma rua com o necessário conforto e tranquilidade”, afirma. E, assim, para Flavia, frente um ambiente hostil, muitos idosos tornam-se prisioneiros das suas casas.

De acordo com uma pesquisa gerontológica da Câmara de Lisboa, o acesso à maioria das habitações dos idosos (73%) tem degraus. Outro estudo realizado em Madrid e Barcelona informa que, por barreiras existentes nas edificações e nas cidades, 45% das pessoas precisam de ajuda para sair de casa e 15% delas jamais sai de sua residência. “Com esses agravantes à sua já frágil condição, o idoso desinteressa-se pela vida em sociedade e passa a esperar a morte dentro de casa”, afirma Flávia. No Brasil, segundo Rocha, a maioria das cidades e órgãos públicos que regulamentam projetos e construções exigem o cumprimento das normas de acessibilidade. “Na sua maioria, essas normas não dão conta de atender todos os usuários e suas necessidades específicas. Cabe aos arquitetos e urbanistas o compromisso de buscar soluções de desenho universal que atendam cada vez mais pessoas sem necessariamente dependerem de adaptações”, diz.

Foto em destaque: jacoblund/ Istock

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