8M: Arquiteta e Urbanista supera assédio e liga sua profissão à luta feminista

As marcas do assédio desviam o caminho de milhares de mulheres no mercado de trabalho. As arquitetas e urbanistas avançam na conquista de  seu lugar no mercado profissional, mas ainda são vítimas de uma realidade cruel. É o caso de Luzineide Brandão Ramos. Natural de Orocó, interior do sertão de Pernambuco, ela encontrou forças para transformar a dor em arma de luta dentro do movimento feminista e por transformações sociais e políticas. Mas nem sempre foi assim. Desde estudante universitária e no início da carreira, enfrentou calada o preconceito exatamente por uma característica que sempre foi motivo de muito orgulho: a origem humilde no sertão.

Mas não foi apenas a chacota de colegas e professores nos tempos do curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que deixou marcas. Em um dos primeiros empregos como Arquiteta e Urbanista, Luzineide passou por episódios de assédio moral e sexual, agressão que acabou afastando-a dos escritórios privados. “Na época, eu não denunciei a pessoa, mas hoje eu vejo que foi um erro”, conta. Para a profissional, o acontecimento não apenas influenciou a sua autoestima e saúde emocional, mas também a relação com a Arquitetura. “Eu só consigo falar disso hoje porque fiz bastante terapia e refleti bastante sobre o ocorrido”, afirma.

A dor a levou a buscar outros rumos e encontrar na atuação social uma forma de militância. Em 1979, iniciou a carreira dentro do setor público trabalhando em projetos urbanos de participação social nos municípios do interior de Pernambuco. “Nessa época, os trabalhos que desenvolvi visavam agregar qualidade de vida à população. Eu ainda não era vista como uma profissional da arquitetura social, mas sim como uma técnica que tinha visão social”.

Foi quando um projeto com a Confederação das Mulheres do Brasil (CMB) abriu uma nova porta. A organização não-governamental que atua na luta em defesa dos direitos femininos no trabalho e na sociedade, colocou a luta por moradia para as mulheres como condição na conquista de sua emancipação. A primeira atividade da pernambucana dentro da ONG foi como coordenadora de mutirões de mães-chefe de família. “Foi um trabalho bem diferente e muito importante para mim. O reconhecimento de minha atuação como arquiteta social, foi fundamental. Me doar e aprender com tantas mulheres na construção de suas próprias casas foi um duplo crescimento, como pessoa e como profissional”. Hoje, depois de 36 anos de carreira, ela continua atuando como diretora de habitação no mesmo projeto da organização.

A CMB fez Luzineide desembarcar na cidade de São Paulo (SP) e, consequentemente, a trouxe para o Sindicato de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (SASP). Desde 2015, pensando em ajudar a fortalecer os arquitetos do estado, ela desenvolve a função de diretora do SASP. “Essa foi a primeira vez que eu me assumi como arquiteta, defendendo a minha categoria. E tem sido um grande aprendizado”. Além de ser diretora de assuntos jurídicos, ela também faz parte do Grupo de Trabalho (GT) de Mulheres na Arquitetura do sindicato e do GT de Equidade e Interseccionalidades da FNA, com o objetivo de dar um suporte legal de combate às discriminações de gênero, raça e renda nas questões trabalhistas da categoria. 

Aos 68 anos, Luzineide Ramos é mãe, avó e esposa. Ela ainda foi pioneira do movimento feminista e esteve presente em diversas conquistas para as mulheres, como a criação da Delegacia da Mulher, em 1985. No entanto, ela acredita que há muito mais a fazer para as arquitetas. “Eu me envolvi muito nisso como mulher, mas o não-reconhecimento dentro da profissão, afetou minha vida tanto na condição de renda, quanto nas minhas questões sociais”, explica. Ter consciência das suas raízes e se engajar na causa feminista foi muito importante para a pernambucana se empoderar e ajudar outras mulheres nessa luta. Para Luzineide, as arquitetas não podem deixar de procurar os sindicatos e denunciar as discriminações e todos tipos de assédios morais e sexuais. “A união e organização de todas nós é fundamental para as mudanças e garantia dos direitos e democracia”, proclama. 

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