Em um mundo de urbanização acelerada, pensar em maneiras de tornar as cidades e edificações mais sustentáveis, além de fomentar o debate crítico sobre descarbonização, tornou-se seu propósito de vida. Arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), e mestre e doutora em Engenharia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alessandra Brito busca aproximar as pessoas de uma prática profissional que possibilite a adaptação a um mundo que passa por mudança climática.
Há quase uma década dedicando-se ao estudo dos impactos das mudanças climáticas nas cidades e edificações, tem o dobro de experiência na docência, tendo ministrado aulas na Universidade Feevale, Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e UFPEL. Reconhecida por seu trabalho com regularização fundiária e habitação social, recebeu em 2013, em nome do projeto Arquitetura e Comunidade, da Universidade Feevale, o prêmio Arquiteta Urbanista do Ano pelo Sindicato dos Arquitetos do Estado do Rio Grande do Sul (Saergs).
Sua história com mudanças climáticas tem início com o trabalho extensionista em comunidades com precariedade socioambiental sujeitas a desastres. A partir disso, sentiu necessidade de aprofundar seus estudos no doutorado e, com isso, a mudança de foco da gestão de desastres, para a visão da mitigação das mudanças climáticas a partir da descarbonização. No ano de 2023, a Descarbon – Capacitação, Pesquisa e Consultoria em Desenvolvimento Sustentável Ltda. foi fundada e se transformou em propósito de vida. A empresa tem como missão habilitar indivíduos e empresas a se tornarem agentes de transformação em práticas sustentáveis, de Governança ambiental, social e corporativa (ESG) e descarbonização, engajando pessoas a contribuírem para um futuro mais sustentável.
Por meio da Descarbon, Alessandra busca democratizar o acesso à arquitetura com baixas emissões de gases de efeito estufa, promovendo debates que integrem estratégias realistas alinhadas ao desenvolvimento sustentável e ao ESG. Ela inspira a criação de cidades e de construções mais sustentáveis, fomentando o aprendizado e a ação colaborativa em prol de um ambiente urbano melhor.
O que é descarbonização?
A descarbonização é uma redução drástica nas emissões de gás de efeito estufa, provenientes, então, principalmente das atividades antrópicas, ou seja, das atividades produzidas pelo homem. Essa descarbonização é necessária porque precisamos limitar o aumento da temperatura no mundo.
O Acordo de Paris previu que os 195 países signatários, deveriam se comprometer em limitar o aquecimento global entre 1,5 e 2 graus até o fim do século 21.
O aumento do uso de combustíveis fósseis, o desmatamento e outros aspectos fazem com que a temperatura global aumente e, consequentemente, venham os eventos [climáticos] extremos. Então, precisamos limitar a temperatura para que a gente consiga restabelecer de novo o equilíbrio na Terra, de todo o ecossistema.
As maiores fontes de emissão de gases de efeito estufa no Brasil são a mudança do uso da terra, desmatamento, agropecuária, resíduos e energia. Com exceção da agropecuária, nossas atividades como arquitetos e urbanistas estão diretamente ligadas às demais fontes de emissões.
Somos responsáveis por projetar edificações que devem permanecer em uso por cerca de 50 anos, garantindo que, ao longo de seu ciclo de vida, os moradores utilizem menos energia.
Em relação aos resíduos, muitos deles que são gerados, em especial de reformas. Aí entra, de novo, o trabalho do arquiteto: o cuidado com o resíduo que geramos é muito importante, com um novo olhar sobre a questão do reaproveitamento desses resíduos e o que vamos fazer com eles. Em uma reforma, tudo precisa ser novo? O que podemos reaproveitar, vender, doar?
As pesquisas mostram que os quatro materiais que são mais consumidos nas edificações e que geram mais gás de efeito estufa são o aço, o cimento, a cerâmica vermelha e os revestimentos cerâmicos. Então, esses quatro materiais contêm quase 80% do consumo energético na construção da edificação. Ou seja, tem muita energia incorporada dentro desses materiais. Muita energia foi gasta para produzi-los. Essas indústrias sabem que são grandes emissoras e, muitas delas, já estão trabalhando para reduzir sua pegada de carbono. Então, cabe ao arquiteto, conhecer melhor aquilo que especifica.
Resumindo, a descarbonização é necessária para que a gente limite o aumento da temperatura ficando entre um grau e meio a dois graus e que a gente, com isso, não enfrente eventos severos que geram todos esses transtornos e esses prejuízos econômicos e de vidas que a gente viu acontecer aqui no Rio Grande do Sul e vê acontecer em várias partes do mundo.
De quais maneiras é possível implantar ideias de descarbonização que sejam acessíveis à população?
A primeira coisa é a gente falar em educação. As pessoas sabem que o mundo está aquecendo, mas elas não compreendem na totalidade que as ações que elas tomam refletem nisso. Precisamos de um trabalho de educação em todas as idades. Nas escolas isso já está acontecendo. Mas também precisamos educar os adultos e profissionais do setor da construção. Infelizmente, não temos visto os currículos abordarem de maneira eficaz as mudanças climáticas no mundo do trabalho. A educação serve também para conscientizar as pessoas, pois muita gente não mudou em nada seus hábitos após os eventos extremos.
Então, podemos começar pensando nos resíduos, em primeiro lugar, separando os resíduos domésticos em casa, tendo atenção em especial aos que podem ser reciclados. A desculpa “Ah, mas eu não separo porque o caminhão mistura tudo!” não é verdadeira! Se você conhecesse o processo de triagem em um galpão de reciclagem, verá que o caminhão só amassa o saco. Os trabalhadores da reciclagem conseguem identificar pela textura e volume o que é reciclável, ou não. Então, se você joga uma garrafa PET com uma fralda suja, saiba que que o saco será aberto, porque ele depende desse material reciclado para viver. Então, temos que ter mais consciência e respeito, com a natureza e com as pessoas que vivem da reciclagem. É uma ação simples que faz muita diferença.
Depois, podemos pensar nos meios de transporte e onde escolhemos viver. E sabemos que a maioria da população, infelizmente, não tem muita escolha onde viver.
A população trabalhadora, em especial, tem acesso à moradia longe do trabalho e, com isso, ela tem que ter acesso a um transporte público eficiente para que não escolha o carro como a melhor opção. Outra forma de descarbonizar as cidades é escolhendo lugares para morar onde seja possível fazer todas as principais atividades da vida cotidiana num raio de 15 minutos, seja a pé, seja de bicicleta, ou ônibus – é a chamada cidade de 15 minutos. Com isso ganhamos tempo, incentivamos as caminhadas, a vida nas calçadas e evitamos o uso de combustível fóssil.
Por que a prática vem sendo procurada nos últimos anos? O que falta para que ela seja implantada de forma definitiva nos projetos e no planejamento urbano?
A descarbonização é um assunto que ainda não é uma dor dos arquitetos, gestores urbanos e empresários da construção. Poucos sabem e compreendem os impactos das suas ações nas questões da mudança do clima. Então, a gente precisa educar o setor da construção, os tomadores de decisão nas prefeituras, mudar os currículos dos cursos de arquitetura e engenharia, (…) a gente precisa mudar a forma de planejar e construir cidades. Essas mudanças de cultura projetual e do usuário precisam acontecer o quanto antes, pois já perdemos muito tempo. Desde a década de 1970 se fala sobre proteção ambiental e até hoje, diante de tantas catástrofes, ainda não demos urgência a esse assunto.
Vemos que algumas empresas e indústrias de grande porte têm iniciado a jornada do ESG muitas vezes puxada pela exigência dos mercados externos. O governo federal, em especial, a partir de 2023, tem proposto uma agenda de negócios sustentáveis (NIB – Nova Indústria Brasileira), Taxonomia Sustentável e outros decretos. Mas, o que vai fazer uma transformação mais significativa é o projeto de Lei que que trata sobre o Mercado Brasileiro Regulado de Carbono, que está no Senado e espera-se que seja aprovado antes da Conferência das Nações Unidas – COP 30. Ele vai trazer limites de emissões de gases de efeito estufa para as empresas e daí elas deverão publicar suas emissões e planos de descarbonização anuais, sob pena de terem que comprar créditos de carbono para pagarem o que emitiram a mais do que o permitido. Isto é, vai mexer no bolso das empresas!
O Acordo de Paris e a Agenda 2030 também são grandes incentivos para a descarbonização. Embora os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) não falem explicitamente de descarbonização ou de redução de emissões de gás de efeito estufa, eles trazem vários objetivos relacionados aos resíduos, transporte, consumo consciente, uso de energia renovável, que nos levam à descarbonização. Então, no âmbito internacional, temos esses dois acordos que estão vigentes. Infelizmente, será difícil atingir os objetivos da Agenda 2030. Portanto, devemos pensar na descarbonização até 2050, como pede o Acordo, desde já, pois é um caminho longo, que não se faz em uma década.
Conte um pouco sobre a Descarbon, sua empresa. Como ela surgiu e o que ela se propõe a fazer pelo presente e futuro das cidades?
Eu sou arquiteta e urbanista e mestre e doutora em Engenharia. Desde 2015, trabalho e estudo com mudança climática em projetos de extensão na universidade em que eu era docente. Eu trabalhava com áreas de risco, de desastres. A partir desse meu contato com essas áreas, com essa população e com a compreensão de que essas mudanças climáticas poderiam gerar muitos danos à vida das pessoas, das cidades, de comunidades, eu senti a necessidade de aprofundar os conhecimentos no doutorado.
Quando entrei no doutorado, a minha visão foi de aprofundar conhecimentos, mas não especificamente para voltar para a academia ou ficar na academia. Eu queria realmente fazer algo que pudesse aumentar a minha expertise e poder ser um agente transformador fora da universidade também, voltar ao mercado de trabalho. Quando eu terminei o doutorado, eu me vi numa bifurcação. Ou fazia um concurso público, que estava ativo, ou empreendia. Resolvi empreender!
Me desafiei a mostrar que a mitigação às mudanças climáticas não deve ser só um tema de pesquisa, mas um tema que merece atuação. Então, hoje sou uma arquiteta que participo de eventos palestrando sobre o assunto, bato na porta das empresas, sindicatos, escritórios de arquitetura para chamar atenção sobre o tema da descarbonização na nossa atividade profissional. Não tem sido fácil, mas aos poucos, tenho conquistado alguns adeptos para trilharem esse caminho comigo.
O projeto de arquitetura é o início de tudo. Claro que sabemos da autoconstrução. Mas dentro de um processo formal, é o arquiteto que define a forma, os materiais, as funcionalidades…a descarbonização começa nos primeiros esboços e as decisões de projeto são diferentes quando se olha com a lupa da descarbonização.
Então, esse é o meu desafio, capacitar profissionais dos escritórios de arquitetura, das construtoras e das indústrias da cadeia da construção civil, através das minhas lives, cursos, mentorias e consultorias, para se preparem para esse processo de descarbonização até 2050. Alguns deles estão disponíveis nas minhas redes sociais como LinkedIn, Instagram e YouTube para que mais pessoas tenham acesso.