44°ENSA: Desenvolvimento deve vir do empoderamento local

Um dia depois do resultado das urnas que sacramentou os rumos das cidades brasileiras pelos próximos quatro anos, a força do desenvolvimento local e das cidades como agentes de mudança social foi defendido com veemência em encontro raro dos professores Ladislau Dowbor, Silke Kapp e Ermínia Maricato na concorrida mesa de abertura do 44º Encontro Nacional de Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas (Ensa). Com agenda virtual em 2020 em função da pandemia, o evento é uma promoção da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) com apoio CAU-BR. “O empoderamento local é fundamental. A cidade é nossa, mas ela não vai ser nossa enquanto a gente não se juntar. Acho fundamental abrir a cabeça das pessoas. Quando abrir a cabeça das pessoas vão parar de acreditar em fake news e vão se apropriar de seus destinos”, proclamou o economista e autor de obras aclamadas. Convicto de que os problemas do Brasil têm uma natureza política e não econômica, ele manifestou preocupação com uma sociedade criada em cidades muradas onde estamos criando uma geração de moleques doentes, que têm medo de ir ali fora. “Isso é patológico”, alertou defendendo que vivemos em um momento de botar os pés para fora da academia.

Fazendo críticas ao modelo de produção e desenvolvimento do Brasil, o professor sinalizou que o desafio é fazer para que o dinheiro sirva para o que é realmente necessário. A falta de crédito e de estímulo à produção agrava a situação. A pandemia de 2020 explicitou a forma absurda como estamos organizados na sociedade, um cenário de desigualdade em um país rico. “Com um   PIB de R$ 7,3 trilhões e considerando a população brasileira concluímos que temos uma renda de R$ 11 mil por mês por família de quatro pessoas. O que a gente produz é suficiente para todo mundo. A desigualdade e o meio ambiente são os icebergs de nosso Titanic”, comparou.

“Nosso problema não é econômico é político e social.” Dowbor defendeu um papel mais ativo do governo da economia e de mudança na visão relacionada aos gastos públicos. “É preciso ver serviços públicos como investimento não como gasto. Cada R$ 1,00 gasto em saneamento significa menos R$ 4,00 em saúde.’ E alertou que é possível, por exemplo, produzir um celular na China e vender no Brasil, mas é impossível gerar saúde, segurança em outros países e querer que cheguem ao Brasil. “O papel das cidades e do planejamento local é essencial. A coisa só vai funcionar quando, bairro por bairro, as pessoas garantirem que vai funcionar o posto de saúde”, exemplificou. E citou que esse empoderamento não precisa vir apenas do governo, mas emanar da própria sociedade. “Não basta esperar que a Câmara de Vereadores vai resolver”, indicou o economista que defende abertamente a descentralização financeira como forma de auxiliar as diferentes regiões do Brasil e auto fomentarem seu desenvolvimento.

A fala ecoou a manifestação da arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, que também fez defesa do poder local. “Não vamos resolver o problema do Brasil na praça dos três poderes, mas na praça onde as pessoas moram, onde podem controlar o orçamento.”

Convicta da relevância da profissão e da necessidade de torná-la menos elitizada, Ermínia defendeu que os arquitetos e urbanistas sejam os grandes protagonistas da implementação da lei de ATHIS e de implementação da extensão universitária. “Vamos tirar as universidades das paredes e colocar os alunos resolvendo problemas concretos.” Apesar de admitir que não se sabe bem como a nova classe trabalhadora vai se organizar, ela pontua que o caminho não vem do nada, mas de uma experiência histórica e popular. “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem e sim sobre aquelas com que se defrontam. As tradições de todas as gerações mortas oprimem como um pesadelo o cérebro dos vivos”, citou.

A mesa de abertura do 44º ENSA foi mediada pela presidente da FNA, Eleonora Mascia, e ainda contou o presidente do CAU, Luciano Magalhães, que reforçou a união das entidades de arquitetura na elaboração e encaminhamento da Carta aos Prefeitos. O encontro também teve participação do vice-presidente da CUT, Vagner Freitas. Reforçando a ação de sindicatos que enfrentam esse momento difícil, Freitas salientou a necessidade se recriar as coisas. “Precisamos chegar aos novos trabalhadores que são diferentes e evoluir para manter o protagonismo da causa dos trabalhadores”.

Propondo uma análise profunda dos dilemas que relacionam à arquitetura e suas formas de intervenção na sociedade, a professora Silke Kapp trouxe um olhar diferenciado sobre como o fazer arquitetônico pode transformar o espaço pelo trabalho humano. Segundo ele, arquitetos e urbanistas não precisam mais atuar para manter-se na posição de “dominados entre os dominantes”.  Uma profissão que vem com alguns dilemas que a tornam meio esquizofrênica. Segundo ela, apesar de serem criados para produzir obras extraordinárias, que podem atrair renda de diversos setores para um determinado lugar e fazer dele fonte de renda e mecanismo de financeirização, 99% dos arquitetos e urbanistas atuam em um tipo de projeto que funciona na extração de valor e não de atração de renda.

Crítica da ação do arquiteto como alguém capaz de mudar a vida das famílias com desenhos e janelas, ela conclamou os participantes da transmissão a refletir sobre intervenções que realmente empoderem os menos favorecidos e ajudem a fornecer instrumentos para aumentar a autonomia dessas pessoas.

Segundo a professora é possível “fazer muito mais do que isso”, lembrando que muito pouco mudou no mercado da construção apesar de as pessoas referirem-se a um novo mundo do trabalho. “A ideia é pensar em outro registro, em uma lógica anticapitalista mesmo. Não é chegar lá e fazer um desenho que a vida da pessoa ficar bem, abrir uma janela aqui a sua vida vai melhorar. É preciso criar interface, meios para as pessoas se empoderarem e combater a injustiça e lutar por seus direitos.”

Confira aqui algumas declarações de nossos participantes no Chat da Mesa de Abertura que tratou do tema: O trabalho transforma o espaço: arquitetura e urbanismo nas periferias do mundo: 

Jeferson Roselo Mota Salazar
​“No Brasil, se fala muito em políticas de inclusão. Política de inclusão pressupõe trazer para dentro. Incluir quem, para dentro de que e para que? Para o sistema? Para a ordem vigente e viciada. E quem não se enquadra nas caixinhas da ordem vigente? Não seria “incluído”? Continuaria pária desumanizado da “nova” ordem “inclusiva”? Não seria mais correto se falar em políticas de não exclusão? Então a luta não deveria ser por uma outra ordem social, na qual o reconhecimento das diferenças fosse a premissa? Resumindo: em vez de criar aberturas em muros, não seria o caso de derrubar os muros?”

Luzineide Brandão Ramos
“A pandemia colocou em xeque nossa formação acadêmica como arquitetos. Nosso exercício profissional está de feridas abertas!!!’

Paula Henrique Soares
“Certo Erminia, Lei de ATHIS será um instrumento fundamental para o poder local (Lei 11888/2008).”

Rodrigo Bertamé
“Super concordo!! a saída das cidades passa muito por aí, retomar a rua, o bairro e organização de movimento e luta. Tensionar os doutores das leis.”

Dânya Silva
“Tem que lutar para que as prefeituras tenham profissionais de arquitetura e urbanismo, em todas as instâncias, social, planejamento e execução e outros, tem que ter concurso público.”

Imagem: Reprodução Youtube

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