Por Andréa dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas
O ano de 2024 foi cheio de desafios para a população brasileira e para as cidades. Foram chuvas, enchentes, queimadas, secas extremas que abalaram o nosso território. Segundo a MapBiomas, o Brasil teve 22,38 milhões de hectares queimados pelos focos de incêndio que avançaram no país. Já um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou que 876 mil pessoas no Rio Grande do Sul foram afetadas pelas chuvas.
Com todos os ocorridos no Brasil ao longo dos últimos meses, a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) levantou o questionamento: “Qual o papel do profissional de arquitetura e urbanismo na sustentabilidade das cidades?”. O assunto foi debatido durante o Seminário Nacional FNA e 48º Encontro Nacional de Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas (ENSA), evento virtual que abordou a temática “Cidades para o Futuro: adaptação e resiliência urbana”, reunindo representantes de sindicatos de arquitetos de todo o território brasileiro.
Outro conceito da campanha iniciada no evento foi a necessidade destes profissionais na construção das cidades, partindo da frase “Arquiteto e Urbanista presente, cidade pronta para o futuro”. As mudanças climáticas são reais e estão, cada vez mais, surtindo seus efeitos nas cidades. Com isso, além de termos territórios atingidos, por vezes totalmente destruídos, temos populações afetadas de maneiras irreparáveis.
Desta forma, é urgente debater a injustiça social e racial. Os episódios de cheias, deslizamentos e queimadas, em grande maioria, ocorrem em áreas já fragilizadas, onde vive uma parte da população com menos acesso a serviços básicos, colocando-as em situação de risco constante. Muitas famílias estão em áreas que não deveriam ser ocupadas ou necessitavam de adaptação em função das mudanças climáticas, mas, por falta de acesso aos serviços, por valores exorbitantes dos imóveis em regiões mais centrais ou, até mesmo, pela “falta de espaço”, vivem às margens da sociedade, em locais que não deveriam ser habitados. Isso vem de um processo capitalista que está precarizando a vida das pessoas, mas quanto vale uma vida? No fim, quem paga essa conta?
Segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), dos 1.133 municípios monitorados, apenas 519, o que equivale a 45,8%, possuem planos diretores que contemplem a prevenção de inundações graduais e bruscas ou enxurradas. Falando sobre escorregamentos e deslizamentos de encostas, apenas 25,2% contemplam essa prevenção. Precisamos avançar no processo preventivo das cidades Os municípios e seus gestores não podem ignorar a realidade dos riscos.
Assim, a FNA lançou recentemente o Manifesto FNA sobre Cidades Resilientes. O texto fala sobre a responsabilidade social dos profissionais de arquitetura e urbanismo como construtores de direitos, apontando que não há cidade sustentável sem justiça social. “Ajudamos a construir um Brasil onde viver seja um direito de todos, não um luxo de poucos.”
Construído a muitas mãos, o documento busca conscientizar profissionais, população, poder público e sociedade em geral para que o debate seja intensificado e levado a todas as esferas da sociedade para que, de forma conjunta, possamos construir cidades mais fortes e preparadas para enfrentar as mudanças climáticas, evitando assim danos irreparáveis, famílias desabrigadas, lares destruídos e amores perdidos.
Mas como fazer isso? Cidades preparadas para o futuro se constroem no agora. Este compromisso é de todos e todas. Os desafios que as cidades brasileiras enfrentam, afetam a vida de diversas formas. São danos físicos, sociais, econômicos e emocionais que não conseguimos medir. O poder público não pode ficar alheio a estas questões, como o processo de ocupação de áreas inadequadas que excluem parte da sociedade. Morar é um direito, um direito garantido por lei. Porém, esse morar deve ser feito de forma segura.
Profissionais de arquitetura e urbanismo têm um papel social importante na construção de cidades, mas nada é feito sozinho. Precisamos compreender a urgência de uma agenda comprometida com a sociedade, além da construção e fortalecimento de estruturas administrativas com a contratação de profissionais qualificados, em uma equipe multidisciplinar que seja capaz de, juntos, trabalhar pelo que a cidade e as pessoas precisam.
As cidades precisam ser pensadas de forma consciente para dar respostas aos diversos problemas que as atingem, sejam eles climáticos, de mobilidade, habitacionais, ambientais, de saneamento básico e desenvolvimento territorial (seja no meio urbano ou rural), garantindo moradia digna, de qualidade e segura.
Nós somos parte dessa mudança que buscamos, estamos cientes do nosso papel e prontos para, unidos, trabalharmos pelo que todos nós, como população brasileira, clamamos urgentemente.
Foto: Ricardo Stucker