Zezéu diz que deixará o mandato, mas não a política

Quadro histórico do PT baiano, o deputado federal Zezéu Ribeiro não terá seu nome na urna nas eleições do ano que vem. Após três mandatos, deixará o Congresso Nacional movido “por uma inquietude” que o faz buscar novos desafios. Nesta conversa com A TARDE, fala de seus planos e da perspectivas do seu partido no pleito de 2014.

 

A TARDE – O senhor é relator na Câmara dos Deputados do projeto que cria o Estatuto da Metrópole. Num momento em que há um clamor por uma maior qualidade de vida nas cidades, o que a proposta traz de novo?

 

Zezéu – A sociedade brasileira se urbanizou de forma muito rápida e hoje temos 84% da população vivendo em zonas urbanas. E em torno de 35% estão nas grandes metrópoles. Se contarmos todas as ditas regiões metropolitanas, esta população passa de 50%. Isso porque as regiões metropolitanas eram definidas por uma legislação federal, fruto de um cenário de autoritarismo e concentração de poder durante a ditadura. Salvador é um exemplo disso, em que todas as cidades que compunham a região metropolitana eram áreas de segurança nacional. Com a constituição, a atribuição de criar as regiões metropolitanas passou da União para os governos dos estados. Mas o fato é este modelo precisa passar por mudanças, com uma definição mais clara do que é uma região metropolitana. Atualmente, temos cerca de 15 regiões metropolitanas significativas e umas 25 regiões com características metropolitanas. Mas há muitas outras que não tem nada de metropolitana. Há regiões com 12 mil habitantes, o que é uma brincadeira. Roraima tem três regiões metropolitanas, a Paraíba tem 11. Os estados as foram criando por achar que gera algum benefício ser região metropolitana.

 

A TARDE – Este foi o argumento para a criação da Região Metropolitana de Feira de Santana e no pleito pela criação da região de Conquista. Há realmente benefícios?

 

Zezéu – Estas não são regiões metropolitanas. Feira de Santana, por exemplo, é uma metrópole. O que mais se parece com uma região metropolitana no interior da Bahia talvez seja a região de Itabuna e Ilhéus, que ainda assim tende a ser mais um aglomerado urbano, de acordo com os conceitos clássicos. Além do status, que está muito ligado à questão do imaginário, há um benefício que fez muita gente querer virar região metropolitana: a tarifa do telefone é mais barata. Uma outra questão foi que, quando surgiu o Minha Casa, Minha Vida, a legislação dizia que os municípios com até 50 mil habitantes só teriam acesso ao programa se fizessem parte de regiões metropolitanas. E com isso, criaram-se mais regiões metropolitanas. Isso teve que ser mudado e hoje já temos o Minha Casa para as cidades com menos de 50 mil habitantes.

 

A TARDE – O senhor acha que ainda falta priorizar políticas públicas de caráter metropolitano na capital baiana?

 

Zezéu – É preciso articular porque a questões do território ultrapassam os limites dos municípios. Temos que ter políticas e articulações de caráter metropolitano. A questão da mobilidade, por exemplo, tem que ser uma política necessariamente de caráter metropolitano. Mas o problema é que hoje não temos uma integração institucional entre os municípios, o que é um absurdo, porque já teve. A experiência da Conder como instrumento metropolitano foi bastante rica, com estudos importantes. Da mesma forma, há boas experiências nas regiões do Rio de janeiro, Fortaleza, Belo Horizonte e São Paulo que podem ser aproveitadas. Sempre respeitando as especificidades regionais.

 

A TARDE – Como o governo do Estado pode atuar neste processo?

 

Zezéu – A questão do metrô já é um passo. Inicialmente, ele ligará Salvador a Lauro de Freitas, mas a ideia é que vá para Camaçari e desça por Candeias. A ponte (Salvador-Itaparica) também pode ser um instrumento efetivo neste sentido. Salvador nasceu e cresceu por causa da Baía de Todos os Santos, mas ao longo do tempo foi deixando de ser Recôncavo. Então, eu acho que a questão metropolitana passa por isso. Precisamos olhar o recôncavo e integrar as cidades com critérios não só políticos, mas de identidade. Mas só se faz isso com vontade política e com generosidade.

 

A TARDE – Como secretário do Planejamento, o senhor foi um dos responsáveis pelo projeto da ponte. Qual sua avaliação sobre ela?

 

Zezéu – A ponte tem que ser um elemento de fazer Salvador voltar a ser Recôncavo, além de proporcionar uma integração com todo o baixo-sul até Ilhéus. É um equívoco pensar que a ponte faça de Itaparica e Vera Cruz cidades-dormitório, áreas de expansão urbana de Salvador. Essa visão é equivocada. Temos que preparar Itaparica para que ela saia do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos mais miseráveis do Brasil. Isso é que não pode. Mas para fazer o desenvolvimento lá, tem que ter medidas muito profundas e permanentes de fiscalização na questão ambiental. Não se pode deteriorar a ilha. Temos ainda que preservar a população nativa e criar oportunidades para essas pessoas, transformando Itaparica e Vera Cruz em cidades de qualidade de vida elevada. Podem ser cidades universitárias, por exemplo, ou de serviços especializados em saúde. É preciso uma atuação que não polua e, ao mesmo tempo, gere riqueza e qualidade de vida para a população.

 

A TARDE – Vale a pena a construção da ponte, ainda que orçada em R$ 7 bilhões?

 

Zezéu – Se nós conseguimos fazer estas coisas que eu estou me referindo, eu acho que vale a pena sim. Temos que pensar num horizonte maior. Eu não tenho nenhum desejo que a ponte comece no próximo ano. Essa é uma questão de vontade política, não de necessidade do projeto. Mas o governador quer começar as obras ainda na gestão dele. É legítimo que ele queira; é uma afirmação política. Mas o importante é o que será a ponte daqui há 15 ou 20 anos. Eu entendo a ponte como um projeto de longo prazo, não como um projeto imediato.

 

A TARDE – Como deputado federal, como vê as dificuldades pelas quais a presidente Dilma Rousseff tem passado no Congresso Nacional, sobretudo as resistências dentro da própria base aliada?

 

Zezéu – Eu gostaria muito de ter uma base programática, afirmada em torno de um projeto. Mas o partidos políticos no Brasil são muito fluidos, não tem uma consistência programática. E muitos são do PG, o Partido do Governo. São os que não mudam de lado, estão sempre no governo. Isso gera uma série de distorções.

 

A TARDE – Qual a grande contradição do PT?

 

Zezéu – Nós queremos fazer a transformação da realidade, mas nós somos o status quo. Nós dirigimos o governo central, mas queremos transformar este governo. Isso incomoda. Então, temos esta situação de que, para governar, é preciso ter maioria nas casas legislativas. E às vezes você cria uma maioria que é maior do que o necessário. Eu preferia ter uma maioria menos expressiva, mas que fosse de melhor qualidade. A atual é muito ampla, podia ser menor e com mais compromisso.

 

A TARDE – Mas a presidente me parece empenhada em ampliar esta base ainda mais. Trouxe o PR de César Borges e o PTB de Benito Gama, numa ação que teve participação do governador Jaques Wagner.

 

Zezéu – É, realmente teve uma participação efetiva do governador. Eu acho que ampliou demais, mas não vou polemizar. Eu quero que a gente avalie isso no desempenho do governo e, na afirmação do projeto junto à sociedade.

 

A TARDE – Como o senhor, quadro histórico do PT baiano que disputou governo e senado em cenários adversos, vê figuras ligadas ao antigo carlismo com tanto protagonismo num governo do PT?

 

Zezéu – Eu acho que tem acertos e erros. Não é porque uma pessoa é adversário hoje que vai ser sempre. As pessoas mudam e eu espero estar sempre contribuindo para que isso aconteça. Mas tem outro que não, que vêm apenas para ser um partido de governo. Querem aproveitar das oportunidades que ser poder permite e fazem isso com muita competência. Mas eu vejo que algumas pessoas realmente tem mudado o seu comportamento, você vê isso no olhar. Da mesma forma, há dentre nós pessoas que chegaram ao poder e se adaptaram por demais, perderam o sentido transformador da realidade. Tem muitos entre nós. Então, a mudança acontece de um lado, como acontece do outro.

 

A TARDE – É possível mudar esta estrutura, em que a maioria tem como prioridade a sua manutenção no poder?

 

Zezéu – Este é um processo histórico, um processo para gerações. Eu tenho um sentimento que é meu – não quero que ninguém o adote – de ter um limite de afirmação numa determinada atuação. Fui dirigente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-BA) por 11 anos. No PT, fui presidente por 5 anos e membro da executiva por 11 anos, afirmando um projeto. Mas depois achei que deveria sair para dar oportunidade para outros. A mesma coisa eu fiz na Câmara Municipal: fiquei 10 anos, até ser eleito deputado federal. Nestes lugares por onde passei, eu tive oportunidade de construir o novo e sair sem ficar velho.

 

A TARDE – O senhor vai completar 12 anos como deputado federal. Onde pretende “construir o novo” daqui para frente?

 

Zezéu – Tem algumas oportunidades que me vislumbram como atuação. Uma é a integração sul-americana (no Parlasul, parlamento do Mercosul), mas é uma possibilidade que não está efetivamente constituída. A outra é o Habitat, instituição da ONU (Organização das Nações Unidas), para trabalhar na construção de cidades democráticas, com serviços coletivos e habitação qualidade. Tenho uma relação boa com a instituição e poderia ser uma oportunidade de eu contribuir. A outra é a possibilidade do Tribunal de Contas. Todas três hipóteses me animam. A

 

TARDE – Além deste desejo de mudança, algo mais motiva o senhor na decisão de não ser mais candidato a deputado federal?

 

Zezéu – Não. Quando eu fui eleito pela primeira vez (deputado federal), eu disse: se o povo topar, eu volto mais duas. E foi o que aconteceu. Estou fazendo um processo de ampla discussão, com plenárias em todas as regiões, onde coloco essas posições e digo que a gente precisa dar continuidade a este trabalho. O trabalho não é de Zezéu, ele pode ser feito pro mim como por outras pessoas. Deixo o mandato, mas não vou deixar a política. Nem posso, porque eu comecei com 14 anos e nestes quase 50 anos, só não tive um mandato eleito por três anos. Desde o grêmio da escola, passando pelo sindicato, IAB-BA, PT e câmaras municipal e federal. Sempre exercendo uma atividade coletiva.

 

A TARDE – Como o senhor vê o cenário para a sucessão para governador no próximo ano?

 

Zezéu – Acho que o PT tem que ter uma competência muito grande para escolher o seu candidato. Não pode ser da vontade de um ou da vontade de outro. Tem que ser um candidato que expresse esta pluralidade e esta vitalidade que é o PT. Tem que ser alguém que tenha uma avaliação crítica do nosso processo, que compreenda os nossos erros, que ressalte os nossos acertos e que tenha um diálogo aberto com a sociedade. É difícil, mas é necessário. Temos bons nomes também fora do partido, mas há um sentimento no PT de que o candidato seja do partido. Eu comungo com esse desejo.

 

A TARDE – O senhor sente falta de um processo de escolha do candidato mais vibrante, com participação efetiva da base do partido?

 

Zezéu – Se a gente conseguir construir um consenso sem prévias, numa construção positiva, não impositiva, será uma vitória. Mas acho que a prévia é um instrumento salutar e que pode trazer uma contribuição efetiva neste processo, pois afirma o partido na sociedade.

 

A TARDE – Acha que a oposição pode vir forte para as eleições?

 

Zezéu – A oposição não tem candidato e isso facilita um bocado para a gente neste processo. Por outro lado, o governo Wagner precisa se reafirmar dentro da sociedade. Por isso, acredito que vamos para um embate que não será fácil. Todo processo eleitoral é difícil, não há eleição já ganha.

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