Uma luta por igualdade de direitos e cidade para todos

Uma identificação natural com a arquitetura e urbanismo relacionada às políticas públicas, à mobilização social e à habitação de interesse social marca a trajetória profissional de Eleonora Mascia, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) na gestão 2020/2022. O despertar para a causa aconteceu ainda quando era estudante do Ensino Médio em Caxias do Sul (RS) e se fortaleceu definitivamente quando ingressou na Faculdade de Arquitetura, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nos anos 1990.

Em 1999 deixou Porto Alegre (RS) e foi para Salvador (BA), onde logo ingressou como concursada na recém criada Gerência de Desenvolvimento Urbano da Caixa Econômica Federal. Como arquiteta e urbanista identificada com a temática habitação, Eleonora atua em uma empresa pública que tem como missão promover o desenvolvimento sustentável do país, junto aos governos locais e sociedade organizada. Na Caixa, se aproximou com mais intensidade do movimento sindical. Foi presidente da Associação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas da Caixa (ANEAC) e, com atuação próxima à FNA e seus sindicatos, participou do Seminário Nacional de Assistência Técnica, realizado em Campo Grande (MS), em 2005. Nesta época também participou do Conselho Nacional das Cidades, instituído em 2004 em convergência com a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. “Foram muitas conferências das cidades, em milhares de municípios, com as mais diversas realidades”, recorda a presidente da FNA.

A temática Habitação foi amplamente vivenciada quando foi cedida ao Governo do Estado da Bahia, logo após o lançamento do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, no governo Lula. “Trabalhei em diversos órgãos do governo, sempre com atuação relacionada à habitação”, afirma. Foram sete anos enriquecedores, período em que se aproximou de movimentos populares durante a implantação de projetos de urbanização e assistência técnica, além de contribuir com a produção extensiva de empreendimentos habitacionais dentro do programa Minha Casa, Minha Vida. Em meio a essa trajetória profissional, ainda cursou mestrado no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Eleonora conta sobre um momento marcante daquela época. Ao visitar um empreendimento de interesse social recém construído, conversou com uma senhora no interior da Bahia que lhe confidenciou que a conquista de sua casa própria significava a libertação de anos de violência e humilhação vividos ao lado marido. “Apenas uma série de políticas integradas pode fazer frente a um processo histórico de exclusão da mulher do trabalho, da vida política e do que de melhor a vida social pode oferecer. No caso desta senhora, o fato da nova casa ser registrada em seu nome (uma determinação definida em lei – Lei 11.977/2009) é fruto de uma conquista e isso precisa ser dito”, destaca, reforçando a importância da luta e dos movimentos que garantam direitos para as mulheres e do acesso à cidade para todos (moradia digna, saneamento, mobilidade urbana e equipamentos de lazer).

Aos 45 anos, a arquiteta e urbanista acredita que as mudanças globais que se anunciam incluem a mulher com uma participação preponderante na luta por direitos e novas oportunidades. “As gerações anteriores tiveram que enfrentar muitas dificuldades, mas os preconceitos e a violência ainda permanecem em uma sociedade extremamente desigual, marcada pela concentração de renda e pela exclusão de classe como pano de fundo para outras discriminações, como raça, gênero ou opção sexual”, pontua.

Segundo Eleonora, tais desigualdades se mostram ainda mais nefastas em meio à pandemia da Covid-19, onde estão expostas as péssimas condições de infraestrutura das cidades e do sistema de saúde. “A crise é global, mas certamente é ainda mais cruel com os que nada possuem.” Como arquiteta e urbanista comprometida com a categoria e com a sociedade, ela afirma que a FNA e os seus sindicatos filiados desempenham um papel fundamental em apoiar todos os profissionais da área na busca de relações de trabalho mais justas e na disseminação de práticas que implementem uma arquitetura e urbanismo de inclusão e contra a exclusão. “As mudanças estão sendo profundas, no mundo do trabalho e no modo de viver nas cidades. Será preciso exercer um novo modo de pensar a vida nas cidades, o que inclui proteção aos vulneráveis, igualdade de direitos e cidade para todos”, destaca.

O que elas querem das Cidades:

– Promover fóruns locais para o contato permanente dos profissionais em arquitetura e urbanismo com os movimentos populares, de forma a se partilhar iniciativas de apoio à demanda por moradia, especialmente nas ocupações.
– Difundir o programa nacional de renda básica, implantado de forma emergencial de apoio aos trabalhadores informais e sem renda durante a crise da Covid-19, mas que pode vir a ser política de Estado como instrumento de transferência de renda e inclusão sócio-produtiva. A mulher é responsável pela família em quase a metade dos lares brasileiros e precisa ser apoiada para romper essa invisibilidade;
– Implantar nos bairros populares núcleos de Assistência Técnica para HIS, com recursos públicos e apoios de pessoas físicas e jurídicas, no atendimento relacionado às políticas e programas sociais, inclusive os de melhorias habitacionais;
– Apoiar a formação e capacitação para melhorias urbanas e desenvolvimento do território. Ampliar o cuidado com a casa para o cuidado com a rua, o bairro, a cidade, agregando ações de inclusão sócio-produtiva.

Foto: Arquivo pessoal

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