Texto: Patrícia Feiten
Adquiridas prontas ou feitas em casa, as tintas naturais são uma opção saudável para a pintura e texturização de paredes. Ao contrário das tintas industrializadas, não apresentam os chamados componentes orgânicos voláteis (COVs), poluentes derivados do petróleo que agridem a camada de ozônio. Além de não liberar produtos tóxicos. influenciam a qualidade do ar e ajudam a reduzir o impacto ambiental, já que as sobras podem ser descartadas com o lixo orgânico.
Entre as tintas naturais mais usadas, estão os revestimentos à base de cal, que podem ser misturados a pigmentos derivados de plantas – como açafrão e urucum –, óxido de ferro ou minerais como a argila. Outra alternativa é a tinta de terra, que oferece grande diversidade de tons, dependendo do solo de onde se extrai a matéria-prima. Fáceis e econômicas, as receitas são muito variadas, podendo utilizar água como solvente e ingredientes ligantes, como cola branca PVA, caseína (proteína do leite), goma de babosa, amido ou óleo de linhaça.
Especialista em arquitetura de baixo impacto ambiental, o arquiteto, permacultor e educador Tomaz Lotufo é um entusiasta das tintas naturais. Além da fácil manutenção, ele destaca o fato de essas tintas deixarem a parede “respirar” como uma das principais vantagens na escolha dos produtos. “A tinta natural tem capacidade de fazer trocas com o meio em que está. Em dias úmidos, absorve um pouco de umidade. Em dias secos, emite umidade, e o ar fica om mais qualidade. Essa troca é muito positiva para saúde”, explica o arquiteto baseado em São Paulo (SP).

Segundo Lotufo, embora menos resistentes que as tintas convencionais, os revestimento naturais podem ser utilizados em qualquer parede interna, mesmo em áreas úmidas. Nesses casos, pode-se aplicar uma camada de cera com etanol após a pintura, por exemplo. Outra solução indicada pelo arquiteto é o tadelakt, antiga técnica marroquina em que se aplica um reboco à base de cal à parede e depois se alisa repetidamente a superfície com uma pedra polida. Comum em interiores e paredes de casas de banho, o método também proporciona um bonito efeito estético. “Já em paredes que ficam expostas a sol e chuva, pode-se aplicar uma caiação, com um bom elemento ligante, e a manutenção pode ser feita a cada dois ou três anos”, diz Lotufo.
Adepta da arquitetura organicista, voltada ao uso de elementos naturais, a arquiteta Letícia Achcar desde 1979 utiliza técnicas de terra crua em construções ecológicas no Brasil e na Europa. “Vim me dedicando ao desenvolvimento de uma tinta de terra natural que tivesse a riqueza de cores do solo brasileiro”, diz Letícia. A pesquisa resultou na criação da Tinta Solum, produto à base de terra, água e minerais que há 18 anos é aplicado em projetos em várias partes do país.
Um das poucas opções disponíveis no segmento de tintas naturais prontas, a Solum é vendida em baldes de 18 litros, suficientes para revestir de 20 m2 a 25m2, incluindo as duas demãos necessárias. A matéria-prima vem de jazidas legalizadas, e a cartela apresenta 15 cores, além de cinco tons da linha Restauro – no showroom da marca, em São Paulo (SP), há amostras das variedades. Segundo Letícia, a tinta de terra tem alta cobertura e aderência, dispensa o uso de massa corrida e possibilita vários tipos de acabamento. “A Solum pode ser aplicada em fachadas e interiores e pode receber repintura, mesmo após longo tempo, pois há uma camada resistente a cada demão. Agora estamos repintando várias residências que ficaram até 10 anos sem repintura”, afirma a arquiteta.

O potencial das tintas naturais foi tema de pesquisa de mestrado da arquiteta e urbanista Fernanda Cardoso de Faria no programa de pós-graduação em Engenharia de Construção Civil na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Baseado em um ensaio de intemperismo acelerado, que simula em laboratório a deterioração causada por chuva, orvalho e radiação ultravioleta nos revestimentos, o estudo avaliou o desempenho de amostras de tintas naturais, aplicadas sobre placas de argamassa. No teste, foram usadas tintas à base de cola branca, cal de pintura, óleo de linhaça e água; terra, cola branca e água; cal hidráulica, leite desnatado, água e sal de cozinha; e tinta de argila verde, cola branca, água e sal.
O teste concluiu que, apesar de menos resistentes, as tintas naturais mostram poucas variações de cor, necessitando apenas de maior reparo e repintura com o tempo, em comparação com as tintas convencionais. “Todas as amostras obtiveram bons resultados, com exceção da argila verde, que apresentou rachaduras. No entanto, percebi que a resistência dessa tinta com argila verde está relacionada com a forma de aplicação”, observa Fernanda. A arquiteta explica que as tintas foram avaliadas em oficinas ministradas no Centro Politécnico da UFPR, em Curitiba, e no Centro de Estudos do MAR (CEM) da universidade, em Pontal do Sul, como parte do estudo. “Na oficina no Centro Politécnico, aplicamos uma camada fina com brocha de pintura, e ela descascou com o tempo. No entanto, na oficina no CEM de Pontal do Sul, aplicamos com as mãos (pintura a dedo) e uma camada mais grossa, e ela permanece impecável até hoje”, afirma. Apresentada em 2015, a dissertação de Fernanda pode ser consultada no acervo digital da UFPR.
Foto destaque: Pigmentos usados para a elaboração de tintas ecológicas (Arquivo Fernanda Cardoso de Faria)