Periferia das cidades são quilombos para a população negra, pontua pesquisador da UFBA

Fábio Macêdo Velame, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e um dos fundadores do EtniCidades – Grupo de Estudos Étnicos e Raciais em Arquitetura e Urbanismo. Foto: Arquivo Pessoal

As médias e grandes cidades brasileiras, em seu planejamento, organização e distribuição sócio-econômica, são herança direta do escravagismo praticado na história do Brasil. Presentes e ativos na construção das cidades desde que o país era colônia portuguesa, a população negra, então escravizada, hoje tenta ressignificar e fortalecer seus locais de sobrevivência e exercício de sua cultura.

É o que pontua o arquiteto e urbanista Fábio Macêdo Velame, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que em 2013 foi um dos fundadores do EtniCidades – Grupo de Estudos Étnicos e Raciais em Arquitetura e Urbanismo. A iniciativa, coordenada por Velame, visa a pesquisar as arquiteturas produzidas por grupos étnicos, e realizar ações de extensão com assessoria técnica para comunidades tradicionais. O grupo também promove a reflexão das relações da arquitetura e da cidade com grupos étnico-raciais, no âmbito do território, cultura, etnicidade, políticas públicas, conflitos e segregação étnico-racial, mercantilização e turismo étnico, patrimonialização, festividades e estética.

De acordo com Velame, essas relações permeiam cidades do Brasil de Norte a Sul. “Todas as grandes capitais se desenvolveram no período colonial-imperial sob a égide da escravidão. No Brasil, a cidade emergiu a partir do trabalho dos homens e mulheres negros, tenham sido escravizados ou negros libertos”, observa. A arquitetura fez parte dessa construção, segundo o professor, “com suas igrejas barrocas, suas fortificações, casarios coloniais, com casas de câmara e cadeia, toda essa arquitetura rebuscada, valorizada e reconhecida pelo estado brasileiro”, mas não só, já que os negros eram responsáveis por possibilitar também todos os serviços urbanos, que ia do esgotamento sanitário – literalmente levando os dejetos e excrementos produzidos pelos brancos para longe –, passando pela estiva nos portos até o transporte e a iluminação públicas.

Segundo o professor, esse modelo persiste ainda que, com a importação de mão-de-obra europeia usada não somente para a indústria mas especialmente para o “branqueamento” da população, os povos negros tenham sido afastados e segregados para as regiões periféricas. “Nossos bairros, favelas, ocupações que chamamos de bairros negros, são quilombos. O negro é um quilombola. As condições em que vivemos hoje, em que se ganha um salário mínimo para literalmente sobreviver, as horas que gastamos no transporte que é pendular, e nosso trabalho é feito para manter os privilégios da classe branca”, pontua.

Nesse sentido, a população negra exerce “a transformação e luta cotidiana da quilombagem, em termos de projeto político coletivo”, analisa Velame. É uma resistência que se dá no movimento em suas diversas facetas, “nos blocos afro, nos afoxés, nas congadas, nas reizadas, nos folguedos, nos terreiros de candomblé, nos grupos de hip hop, nos funks, no batidão, em todas as manifestações negras tradicionais e contemporâneas. São lugares de sociabilidade, reagrupamento, organização, ação, luta pela valorização da cultura negra e resistência da população. E pela possibilidade de criar um futuro”, pondera.

Assessoria técnica e cursos de extensão
Levando em conta os conceitos apresentados por Velame, o grupo Etnicidades, além de atuar com pesquisa, realiza atividades de extensão que inclui cursos de formação e assessoria técnica.

O curso de extensão em arquiteturas afro-brasileiras qualifica técnicos engenheiros e arquitetos de órgãos públicos, estudantes de graduação e entidades negras, abordando políticas públicas e as arquiteturas de comunidades quilombolas, templos religiosos de matrizes africanas e arquiteturas de afoxés, blocos afro, e maracatus.

Já o projeto ”Arquiteturas do Quilombo Salamina Putumuju” atua no município de Maragojipe e oferta assistência técnica em projetos arquitetônicos e urbanísticos para a comunidade remanescente do quilombo Salamina Putumuju. Há também oficinas de leituras e interpretações de projetos arquitetônicos, técnicas construtivas tradicionais e sustentáveis com o objetivo de criar espaços que possibilitem o empreendedorismo, associativismo, cooperativismo e comércio da populações negra local, em suas atividades produtivas locais.

Seminário Salvador e Suas Cores
Outra iniciativa do EtniCidades, que vem sendo realizada nos últimos anos é o Seminário Salvador e Suas Cores, que acontece nesta semana na capital baiana. O tema desta sétima edição é “por uma agenda antirracista para as cidades brasileiras, africanas e da diáspora negra nas américas. O objetivo do evento é conectar a África e as Afro-Américas, com pontos entre as cidades afrodiaspóricas na Diáspora Negra, abordando a Arquitetura e Urbanismo.

Entre as questões abordadas está o racismo e suas facetas no espaço urbano e a segregação étnico-racial existentes nessas cidades, com profissionais, professores e pesquisadores de diversas áreas de países como Estados Unidos, Cabo Verde, Guiné Bissau, Angola, Moçambique, Nigéria, Congo e Brasil.

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