Live sugere ação do Ministério Público contra PL 529

Lideranças e trabalhadores reuniram-se em coro em defesa das estatais paulistas ameaçadas pelo projeto de lei 529/2020, que prevê a extinção da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo – “José Gomes da Silva” – (ITESP), entre outras. Proposição manifestada durante a live ‘Ataque às Estatais: Desmonte não é Modernização’ promovida pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) sugere que o tema seja analisado pelo Ministério Público, tendo em vista as ameaças ao interesse público e as pouquíssimas informações fornecidas pelo executivo estadual para justificar esse desmonte, quando não a veiculação de informações comprovadamente falsas, como por exemplo em relação à suposta situação deficitária dessas instituições. “Há questionamento sobre o interesse desse tipo de proposição. O que temos é a destruição e desmonte de décadas de construção de um sistema público eficiente”, pontuou o arquiteto e urbanista, economista e professor livre-docente da FAU/USP da USP, João Whitaker. Segundo ele, é claro que o estágio atual das estatais está longe do ideal, mas o que temos é um desmonte por razões políticas, um projeto que, segundo o mediador da live, o arquiteto e urbanista e diretor da FNA, Patryck Carvalho, opera no silêncio pela destruição do patrimônio coletivo.

Posição similar foi defendida pelo ex-conselheiro de Administração da EMTU Laércio Basílio da Luz Filho, que garantiu que as declarações de que a EMTU é deficitária são infundadas. “O Ministério Público precisa agir. A EMTU não é uma empresa deficitária. Ela cuida do transporte de pessoas. Há “n” maneiras de fazer ajustes. Mas temos que agir de forma inteligente. Estamos de coração partido de ver tudo isso destruído por nada ou por uma questão política.” Segundo Luz Filho, a proposição de extinção da EMTU pegou os funcionários de surpresa. “A EMTU pode ser classificada como símbolo de que esse projeto não é de redução de despesa nem de reorganização do estado. A EMTU é uma empresa enxuta, eficaz, que cresceu muito, estava chegando a Ribeirão Preto, atuando em uma região que concentra grande parte do PIB do Estado.” A empresa tem a função de garantir e fiscalizar a qualidade de um transporte público de massa integrado, em todas as regiões metropolitanas do Estado. A pretensão da empresa, adiantou ele, é transformar-se cada vez mais em uma autoridade metropolitana, com poder, por exemplo, de implementar por decisão própria rotas em áreas de interesse comunitário na grande São Paulo que não estejam sendo adequadamente atendidas. “São fatores que são bons para sociedade, mas que não atendem forçosamente aos interesses políticos”, alertou.

Funcionária da CDHU, a arquiteta e urbanista Bertha Costa alertou que, além de comprometer a ação voltada ao desenvolvimento urbano, a extinção da estatal ainda deixa um vácuo quanto à contratação de serviços e projetos, tendo em vista que a Secretaria de Habitação não tem estrutura legal para tal e talvez tenha que, inclusive, criar uma nova autarquia para cuidar de sua operacionalização. O projeto, alerta ela, também contribui com o desemprego. “Será um efeito dominó em 2021 em São Paulo. A pandemia criou desempregados e, agora, vão contribuir com mais.” E sinalizou que espera que a carteira de clientes da CDHU não acabe nas mãos de bancos comerciais que visam unicamente o lucro, uma vez que 90% dela compreende pessoas com renda de até três salários mínimos. “Banco é banco. A carteira é a galinha dos ovos de ouro”, frisou. A CDHU tem o papel primordial de garantir o acesso à casa, em um Estado em que o déficit é de CERCA de dois milhões de unidades, justamente para as famílias muito pobres, que não conseguiriam acessar com financiamento, e que constituem a enorme maioria do déficit.

Unanimidade entre as lideranças que participaram do debate, a necessidade de melhorias na estrutura das empresas precisa ser rediscutida. “Deveríamos estar debatendo qual o papel do Estado, como falar de modernização em relação à CDHU. É verdade que o processo foi mudando, e precisamos rever várias coisas. Mas estamos discutindo outra coisa:  não se joga a água da bacia fora com a criança dentro.” E conclamou: “Temos que debater novas políticas, programas que foram suspensos.” A CDHU, pondera ela, tem patrimônio muito grande. “Não é uma empresa que está se acabando e precisa ser extinta. Ela precisa ser rediscutida com pessoas preocupadas com a política habitacional do Estado.”

João Whitaker  criticou declarações que indicam os servidores públicos como os causadores da crise financeira do país e do Estado, quando se sabe da prática recorrente de renúncia fiscal, da isenção tributária sobre grandes fortunas, da significativa sonegação de impostos e da fuga gigantesca do capital ao exterior. “O caminho mais fácil é atacar a suposta ineficiência do servidor público, um discurso perverso que aplica às empresas públicas uma lógica de mercado: no setor público, a eficácia não significa lucro, mas satisfação dos cidadãos, e déficit não existe, ele é na verdade investimento público em políticas para a sociedade. É outra lógica”. Disse que estranha o fato de o projeto do governo Doria vir exatamente após anos de enfraquecimento por parte do próprio Estado de algumas dessas empresas. Por outro lado, Whitaker citou o limite de recursos das universidades e da FAPESP como forma de engessar o planejamento da pesquisa em mais longo prazo. “Vão matar a FAPESP e as universidades que, graças à autonomia financeira, podem preservar seu orçamento a cada ano para planejarem investimentos maiores na área de pesquisa”, indicou, lembrando que as universidades paulistas são responsáveis por uma significativa parcela da produção de conhecimento no Brasil.

Alertando sobre os riscos da extinção da Fundação Itesp, o analista de Desenvolvimento Agrário da Fundação Itesp, Otávio Cândido da Silva Júnior, detalhou o relevante trabalho realizado no acompanhamento da organização econômica e social em terras oriundas da reforma agrária, que compreende controle, concessão de crédito, educação ambiental e assistência social, entre outras ações. “O que o PSDB está querendo fazer no estado de São Paulo é anular o processo de reforma agrária e o trabalho da fundação que faz justiça às famílias de assentamentos rurais.” E ponderou que, por trás do discurso de modernização do governo, devem estar os interesses dos latifundiários. Sem a fundação, estimou ele, 15 mil famílias paulistas deixarão de ser atendidas, um estímulo ao êxodo rural, e um impacto enorme na produção da agricultura familiar, hoje cada vez mais importante para o abastecimento alimentar dos brasileiros.  “A fundação Itesp garantiu a economia de R$ 5 bilhões com o processo de desapropriação indireta de unidades de conservação ambiental ao evitar atravessadores. Fala-se mal, mas não se fala dos ganhos e trabalho duro que se realiza.”

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