Gilson Paranhos: quando a utopia insiste em virar realidade

Ele é um viajante. Não do tipo turista, que coleciona portais ou bibelôs. O arquiteto e urbanista Gilson Paranhos é um explorador de sonhos. Durante seus mais de 50 anos de carreira, correu as estradas no Brasil e exterior em busca de conhecimento e, atualmente, mora no Canadá, onde está pesquisando sistemas integrados de apoio popular. Por onde passa, busca um projeto pelo qual doar a vida, o que lhe rendeu o Prêmio FNA 2019, mérito que será entregue em 30 de novembro, em Salvador (Bahia), durante o 43º Encontro Nacional de Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas (43º Ensa). Sua indicação foi feita pelo colega Fabiano de Melo Duarte Rocha, vice-presidente do IAB.

A história desse arquiteto e urbanista começou na pequena cidade do interior paulista de Pedregulho (SP), onde vivia com os pais Fernando de Paula e Silva e Adélia Paranhos Silva e os cinco irmãos. Ainda menino, foi morar em Brasília, onde fez seu primeiro curso de desenho, o que revelou uma visão espacial diferenciada para a faixa etária. Ao lado do pai, trabalhou vendendo persianas, desenhando e medindo os diferentes modelos, o que lhe rendia dinheiro para dar asas a seus primeiros planos.

Apesar de contrariado com a mudança de cidade e com os amigos deixados no Interior de São Paulo, o jovem Gilson Paranhos descobriu nas inovadoras linhas de Brasília uma paixão e na Paróquia Militar Oratório do Soldado, um motivo concreto para conhecer seu autor: o arquiteto e urbanista Milton Ramos. Foi ao seu lado, que o estudante de Arquitetura e Urbanismo se alçou em diversas empreitadas, do colorido de pequenos desenhos nas madrugadas no escritório até a produção de projetos elaborados para as Forças Armadas, além de atuar na concepção do Aeroporto de Confins, em Minas Gerais antes mesmo de se formar na UNB, em 1980. “Na época, eu era um menino e pensei: eu preciso trabalhar com esse cara. Fui lá no escritório e me ofereci. Ele me dispensou, mas eu insisti e não parei até que ele me deu uma oportunidade”. acrescenta Paranhos, que mais tarde atuou como um dos autores do projeto do aeroporto mineiro.

Mas Gilson precisava ver além das paredes do escritório. Foi ao lado do também arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, que conheceu o uso de módulos de concreto em Abadiânia (GO), consolidando a argamassa armada como opção altamente competitiva. “Acompanhava a obra todo dia em um vai e volta de Brasília a Abadiânia ao lado Lelé. Bebi conhecimento direto da fonte”, recorda. Nessa época, atuou na direção de fábrica de argamassa Novacap, em Brasília, e, anos mais tarde, acabou se mudando para Salvador, onde fez três hospitais e teve a primeira filha: Luana, mãe de sua mais recente paixão: a neta Clarissa, cinco anos. Ao lado da esposa Eliane Alves também teve o filho Ian. Atualmente, divide seu tempo com a companheira Rosângela de Oliveira Alves. “Aprendi a ter atitude com Milton e Lelé, a exigir total liberdade para trabalhar. Os caras de Brasília eram incríveis.”

Mas foi, em 2015, depois de passagem pelo IAB/DF e pela presidência nacional do instituto, que o arquiteto recebeu um dos grandes desafios de sua vida: a presidência da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab). Ele lembra que, na época, a instituição tinha fama de ser a pior autarquia do governo. Com o desafio de enxugar o quadro pela metade e botar o departamento para funcionar, Paranhos derrubou muros. Literalmente. Nos primeiros meses de gestão, quando ainda os recursos estavam contingenciados por ordem do governador Rodrigo Rollemberg, integrou todos os escritórios, pondo fim a divisórias e a processos burocráticos que dificultavam as ações em prol da habitação. Sua grande realização foi a regularização da área do condomínio habitacional Sol Nascente, uma das regiões mais carentes e violentas de Brasília. No local, implementou projeto de assistência técnica onde muitos acreditavam só ter o crime. “O médico tem que ir aonde tem doente. Se sou arquiteto e urbanista, tenho que estar sempre em área irregular. A gente tem que estar onde o povo precisa”.

Entre suas realizações à frente da Codhab está a construção de edificação com 12 apartamentos para acomodação de moradores de rua, um de muitos projetos focados em comunidades mais carentes. Um compromisso que se solidificou ao assinar a construção de diversos hospitais e surgiu ainda na adolescência quando, ao lado de amigos, criou o Sansa Supletivo, projeto voltado para educação de adultos de baixa renda e que foi alvo de vigilância constante durante o Regime Militar. “Importante nessa jornada é você doar sua vida por alguma coisa”, conclui.

 

Edifício com 12 apartamentos onde vivem ex-moradores de rua está entre as realizações de Gilson à frente da Codhab. Foto: Carolina Jardine

 

Foto principal: Alfredo Bezerra

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