Estudantes e professores participam da luta contra a Covid-19

Projetos desenvolvidos por estudantes de Arquitetura e Urbanismo mostram que a produtividade das universidades brasileiras está sendo mantida em alto patamar durante a pandemia de Covid-19. Desde o início da crise sanitária, foram criados lavatórios portáteis para uso em estações de trens e comunidades carente, protetores faciais para profissionais de saúde e escritórios com design biofílico (forma inovadora de criação de ambientes naturais). Os alunos também desenvolveram manuais com instruções para evitar a contaminação de residências e propostas para enfrentamento do novo coronavírus nas periferias.

Professores e diretores destacam a superação de obstáculos como fundamental para o bom desempenho dos universitários. Na Universidade Federal de Roraima, por exemplo, foi necessário superar a falta de acesso à internet de parte dos alunos indígenas e lidar com estudantes abalados pela doença e perda de parentes. O Rio Capital Mundial da Arquitetura (RCMA) mostra hoje e amanhã o clima em universidades brasileiras a partir de março, quando o novo coronavírus mudou os rumos de todos os setores no país.

Os desafios se transformaram em ponto de partida para novos horizontes. A Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) está preparando o corpo docente para o enfrentamento do novo cenário, discutindo mudanças no espaço físico e a adaptação do curso à proposta de semestre suplementar recentemente aprovada pelo Conselho Universitário da UFBA, que tem agora como prioridade é garantir o acesso às atividades remotas para quem não tem acesso à internet.

Protótipo de Ponto Comunitário de Higienização feito por estudantes e instalados na Bahia

O diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (Fauba), Sergio Kopinski Ekerman, não tem dúvidas que os arquitetos darão importante contribuição no mundo pós-Covid-19. Ele acredita que é preciso tratar de questões programáticas e sanitárias na criação de novos equipamentos, de acordo com as diferentes realidades sociais em uma cidade como Salvador:

– A contribuição mais relevante de um novo arquiteto será lidar coerentemente com o contexto social, evitando decisões tecnológicas alienadas. O ideal é propor, articulado com a comunidade, alternativas viáveis de transformação espacial em micro e macro escala.

Ekerman destaca dois trabalhos realizados por alunos de graduação e pós graduação,já aplicados com ganhos para a população soteropolitana: o Ponto Comunitário de Higienização (PCH) e a cartilha de recomendações para controle de contágio do novo coronavírus, elaborados pelo Grupo de Estudos em Arquitetura e Engenharia Hospitalar (GEA HOSP).

O protótipo do PCH é uma estrutura projetada originalmente em bambu com reservatório de água e sabão e uma pia. Para tratamento dos efluentes a água é tratada antes do descarte na rede existente. Para o acionamento da torneira e do sabão é utilizado um sistema de pedais, sem que seja necessária a utilização das mãos.

– Deve-se escolher uma porta de entrada e estabelecer a área de transição no exterior ou no interior da residência. Recomenda-se a colocação de mobiliário de apoio para higienização e bloqueio parcial do acesso. Nesta área serão colocados caixa para sapatos ou bolsa de papel, maletas, porta-chaves, suporte para álcool em gel e álcool líquido 70%. Se houver um lavatório nas proximidades, ele pode ser utilizado em substituição depósito de álcool. A área de acesso deve estar bem definida, delimitada com fita adesiva de cor contrastante ao piso ou ao mobiliário que define o espaço protegido -, ensina o manual.

Segundo o diretor da FAUFBA, além de uma série de atividades de extensão e pesquisa, a faculdade participou do Congresso Virtual da UFBA 2020 – e agora realiza o seu primeiro workshop online, cujo tema é o enfrentamento da doença. O evento, que vai até o dia 31, tem como meta a criação de uma publicação digital a ser compartilhada com a sociedade.

A ideia é propor soluções e contribuições da Arquitetura e do Urbanismo no contexto de enfrentamento à Covid-19, no presente e no futuro, dentro dos seguintes eixos temáticos: arquitetura emergencial e arquitetura hospitalar; Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – unidades móveis ou fixas; e Arquitetura Escolar/UFBA.

– São questões que não devem ser extintas após a pandemia -, ressalta Sergio Ekerman.

Mais sensibilidade às questões sociais
O vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA), professor Carlos Eduardo Nunes-Ferreira, ressalta que as universidades tiveram dois tipos de abordagem para manter a oferta de conteúdo e proteger a saúde de alunos e professores, durante pandemia. A maioria das universidades privadas optou pela oferta de aulas remotas síncronas em plataforma já utilizada pela instituição, no mesmo horário das atividades presenciais.

A estratégia da maior parte das universidades públicas foi interromper o período letivo até que se pudessem conhecer as condições acesso do corpo docente e discente à internet para que a pandemia não se tornasse um processo de exclusão.

Entre os extremos, houve instituições que criaram programas de comodato de equipamentos, subsídio para planos de internet mais potentes, entre outras medidas:

– Do ponto de vista pedagógico, houve mais experimentação do que preparação. Aconteceram gratas surpresas, mas também muita precariedade, como a falta de experimentos em laboratórios e a interrupção de estágios -, pondera.

Para Carlos Eduardo, a boa notícia é que os alunos tornaram-se mais sensíveis às questões sociais. Em um projeto piloto da Prefeitura do Rio de Janeiro e do Rio Capital Mundial da Arquitetura, foi feita uma requalificação da área em torno do Largo do Machado, resultando em projetos para suportes de vendas para o programa Ambulante Legal, hotéis solidários e restaurantes populares na região.

– A pandemia nos colocou frente a frente com nossos fracassos como sociedade. Nossas cidades terão que mudar ou todo este sofrimento terá sido em vão. O papel do arquiteto e urbanista foi ressignificado. Passou de algo difuso para o pragmatismo mais elementar. Da casa, que ganhou outro valor, porque nela permanecemos mais tempo do que nunca, às comunidades em que as condições mínimas de salubridade geraram taxas de letalidade superiores -, avalia.

O professor Carlos Eduardo também comenta alterações que fez no programa da disciplina de Arquitetura Hospitalar. Ele propôs que os alunos desenvolvessem projetos para adaptar o antigo Hotel Intercontinental, em São Conrado, para atender às comunidades da Rocinha e do Vidigal no tratamento da Covid-19 e no acolhimento para a realização de isolamento social.

Na avaliação do vice-presidente da ABEA, a comunidade acadêmica está vivenciando uma experiência inédita, que resulta em novas formas de apresentação de projetos e de avaliação de aprendizado. Carlos acredita que estas descobertas vieram para ficar, embora ressalte que a situação atual prejudica parte do processo de formação individual e social do estudante.

Em meados de março, imaginava-se que haveria um momento de compensação das aulas práticas dentro do mesmo período letivo. Com o prolongamento da quarentena, projetam-se atividades laboratoriais compensatórias para o segundo semestre.

– O ensino virtual parece ser menos problemático para alunos dos períodos mais avançados, cujos trabalhos não ficaram a desejar em relação aos períodos anteriores. Foi mais difícil auxiliar calouros, exatamente pela falta de vivência do espaço construído e por não terem atendimento presencial -, avalia.

Para Pedro da Luz Moreira, professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF) e pesquisador do Centro de investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade de Lisboa, há grandes mudanças no setor educacional por conta da pandemia. Segundo ele, atividades remotas não suprem a integridade do processo de formação, de debate e de compreensão das dificuldades que ocorrem no processo de aprendizado.

A disciplina de projeto, que ele ministra na EAU-UFF, é empírica, e envolve o exercício prático de um tema montado e simulado em aula para medir a capacidade do aluno de sintetizar uma proposta, que responda os desafios do programa com coerência estrutural, funcional e estética.

– Ninguém ensina isso de forma teórica. É necessário se submeter ao processo de formulação continuada, incluindo sujeição ao professor e aos colegas, para se seguir em frente, num desenvolvimento contínuo de idas e vindas intermináveis -, explica Pedro.

O professor considera que a pandemia evidenciou uma situação que os arquitetos denunciavam há muito tempo: o acesso diferenciado às condições de higiene, salubridade, conforto nas habitações e cidades brasileiras. A situação ficou mais evidente a partir da necessidade de isolamento e promoção de hábitos cotidianos de limpeza, que são inviabilizados pela precariedade habitacional e da urbanidade nas áreas onde vivem parcelas expressivas da nossa população.

– Como gerar de forma emergencial condições adequadas de habitação e convivência? O plano e o projeto da cidade e da moradia no Brasil passam, com a Covid-19, a ter maior necessidade de inclusão – diz..

O professor ressalta que a UFF possui, na sua gênese, preocupação com temas de cunho social, como urbanização de favelas, inclusão de populações em situação de risco, melhorias habitacionais, sistemas de transportes estruturados em rede, sistemas de infraestruturas amigáveis ao meio ambiente. Durante a pandemia, a universidade não ministrou aulas virtuais, mas manteve a comunidade mobilizada e realizou debates pela internet, sem cobrar créditos e cumprimento de tarefas.

– Há uma série de iniciativas em curso, envolvendo debates e seminários em plataformas virtuais, que discutem como é e como será no futuro o ensino de arquitetura e urbanismo. O evento ‘Escola em Transe’ (série de encontros sobre o urbanismo, a arquitetura e seu ensino) é o que mobiliza maior quantidade de alunos e professores.

Série de encontros sobre o urbanismo, a arquitetura e seu ensino mobiliza grande quantidade de alunos e professores na UFF

A Universidade Federal Fluminense programou uma série de abordagens sobre a Covid-19 com os seguintes títulos: ‘Nenhuma casa sem banheiro’, ‘Instalações sanitárias emergenciais para a população de rua’, ‘Cidade, arquitetura, filosofia, pandemia, isolamento social’, ‘Escolas de arquitetura, extensão e entidades de arquitetura e urbanismo’, ‘Um contra projeto para as cidades brasileiras’.

Há também uma ação que envolve o projeto de extensão da UFF de Regularização Fundiária, com participação das escolas de Economia, Geografia, Direito, Estudos Sociais e Arquitetura e Urbanismo. O objetivo é conferir o título de propriedade a três mil famílias em diversos municípios do Estado do Rio de Janeiro. O projeto envolve o Ministério do Desenvolvimento Regional, as administrações municipais e a UFF, e promove a urbanização de favelas e de áreas precárias.

Dificuldade em Roraima
Para enfrentar os desafios diante do novo coronavírus, a Universidade Federal de Roraima (UFRR) montou sete comissões de trabalho encarregadas de estudar soluções para alunos com estilos de vida diferenciados. São moradores da capital, da fronteira com a Venezuela e de áreas indígenas com acesso limitado à internet. Muitos deles abalados emocionalmente com morte de parentes.

As comissões de biossegurança, de planejamento curricular, de formação docente e estratégias pedagógicas durante e pós-pandemia, de apoio logístico e tecnológico, de calendário acadêmico, de normatização e de atenção integral à saúde e assistência social buscam manter os alunos ativos e preparados para as mudanças. Exemplo: o curso de Arquitetura e Urbanismo, em parceria com o Conselho de Arquitetos e Urbanistas (CAU/RR), desenvolveu e colocou em andamento o projeto de reforma nos banheiros de escolas.

A professora e coordenadora do curso, Graciete Guerra da Costa, ressalta que os futuros arquitetos terão pela frente uma população carente de seus trabalhos, pois 85% das casas são construídas pelas próprios moradores.

– A contribuição do arquiteto tem que passar pelo engajamento e pelo olhar para o social. A população tem que ser priorizada pelo arquiteto -, afirma Graciete.

Veja os projetos FAUFBA citados:
Pontos de Higienização Comunitária

Cartilha GEA HOSP

Vídeos dos Pontos de Higienização Comunitária instalados FAUFBA:
https://mail.google.com/mail/u/1/#search/sekerman%40ufba.br/FMfcgxwJWhxPcTrNqsPPHZSLXQJwHBzg?projector=1

https://mail.google.com/mail/u/1/#search/sekerman%40ufba.br/FMfcgxwJWhxPcTrNqsPPHZSLXQJwHBzg?projector=1

https://mail.google.com/mail/u/1/#search/sekerman%40ufba.br/FMfcgxwJWhxPcTrNqsPPHZSLXQJwHBzg?projector=1

Fonte: Capital Mundial da Arquitetura

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