O arquiteto e urbanista Eduardo Pimentel Pizarro, de 27 anos, formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), ganhou o prêmio do LafargeHolcim Forum Student Poster Competition, em 2016, com uma pesquisa que utiliza espaços vazios em uma comunidade de São Paulo para a construção de áreas mais sustentáveis.
O projeto, que trouxe reconhecimento ao talento brasileiro na Arquitetura, é resultado de uma pesquisa de mestrado, iniciada em 2012, sob orientação da professora Dra. Joana Carla Soares Gonçalves. A conclusão do estudo,demandou um período de pesquisa na Architectural Association Graduate School, em Londres, na Inglaterra.
Como um caso de Design Research, a pesquisa lança mão de exercícios propositivos como ferramentas de investigação. Pizarro buscou uma aproximação com a realidade da Favela de Paraisópolis e, ao final da pesquisa, oferecer respostas e diretrizes que pudessem contribuir com a realidade de seus moradores.
Atualmente, o arquiteto faz doutorado na FAU/USP, com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e prepara-se para ampliar seu conhecimento em Zurique, na Suíça, como parte da pesquisa, na Academic Guest na ETH Zurich, sétima melhor faculdade de arquitetura no mundo, de acordo com o QS World University Ranking.
Conheça aqui o projeto completo de Pizarro.
1. Quais os locais que ganharam enfoque no estudo? E porque foram escolhidos?
EP: A Favela de Paraisópolis foi escolhida pelo seu elevado índice de consolidação e também por suas dimensões territoriais e populacionais. De acordo com a União de Moradores de Paraisópolis, são 100 mil habitantes. Para se ter uma ideia, grande parte das cidades do interior do Estado não chega a atingir essa marca.
Na favela em si, a pesquisa e projeto focam o espaço entre as edificações, uma entidade volumétrica que é invisível, intangível, mas onde tudo acontece: por onde passa o sol, os ventos, os cheiros, as pessoas, os sons, etc. Apesar das carências infraestruturais e de salubridade persistirem nestes interstícios urbanos, estes também concentram uma série de oportunidades latentes que podem conduzir a outros futuros para a comunidade.
Em outras palavras, este espaço entre as construções são as ruas, becos, vielas, varandas, coberturas e lajes, que são encarados pela pesquisa como uma rede de espaços que funciona de forma conjunta e articulada. O projeto trata estes espaços de forma específica e tipológica, permitindo adaptação e replicabilidade das estratégias.
2. O que você defende em seu projeto?
EP: Como pano de fundo, o projeto defende que a favela, apesar de suas singularidades, faz parte da cidade e é a cidade em si. E, como forma de provocação, eu questiono quais seriam os exemplos e lições que nós, arquitetos e urbanistas, poderíamos absorver das favelas para a discussão e proposição de futuros alternativos à cidade como um todo.
O projeto defende, assim como minha pesquisa de Doutorado em andamento, que a cidade deve ser planejada, projetada e construída a partir de seus interstícios urbanos, e não como uma simples justaposição de objetos (edifícios) e linhas (infraestruturas) que desconsidera o espaço para a vida urbana, o espaço “entre”.
O projeto para a favela de Paraisópolis é um conjunto de táticas e estratégias, em diferentes escalas, que propõe a requalificação da comunidade por meio do redesenho de seus espaços intersticiais, garantindo acesso ao sol, ventilação natural, criando outros espaços urbanos para passar e ficar, abrindo outras perspectivas à paisagem urbana, à consolidação de uma identidade local e, até mesmo, ao seu desenvolvimento econômico.
3. Qual o seu objetivo final com o estudo?
EP: O objetivo final do estudo é propor, científica e projetualmente, futuros alternativos à Favela de Paraisópolis, a partir da transformação do espaço entre as edificações em uma “infraestrutura invisível” de requalificação ambiental, urbana e social. Trata-se também de uma forma de questionar o modo de produção da cidade e propor sua inversão, de “cheios” para “vazios”, de “objetos” para “espaço”.
4. Quais as condições para a viabilidade desse projeto?
EP: O projeto é pensado como a articulação de diferentes escalas e atores sociais. Portanto, a viabilidade de cada uma das camadas e estratégias propostas varia.
Por exemplo, o projeto de redesenho do espaço entre as edificações prevê projetos detalhados de reforço estrutural, infraestruturas de água, esgoto e energia, além de oficinas participativas envolvendo a comunidade, profissionais e poderes público e privado para definição dos usos a serem realocados, da gestão dos novos espaços coletivos, etc. Viabilizar esta intervenção em uma quadra urbana 100 x 200 metros da favela de Paraisópolis demanda muita dedicação. Dedicação esta que vale a pena se compararmos esta proposta a outros projetos que impõem a realidade dos condomínios cercados de torres verticais isoladas a um morador que está acostumado a construir e reconstruir sua casa ao longo dos anos, a fazer churrasco na cobertura, a conversar com o vizinho da frente por meio da janela (…).
De forma complementar, o projeto também traz estratégias de fácil implantação pelo próprio morador que é, como sabemos, o responsável pela construção de sua própria casa. A pesquisa organiza uma série de pequenas práticas que garantem melhor qualidade ambiental e urbana para espaços externos e internos, a serem aplicados no modo DIY, “do it yourself”. Um exemplo são as possibilidades de fachadas vazadas (usando blocos simples de cerâmica ou concreto) que oferecem qualidade ambiental e salubridade para ambientes internos (de acordo com a orientação e implantação da construção), ao mesmo tempo em que estimulam usos urbanos nos ambientes externos.
5. O que mudou desde que seu estudo ganhou visibilidade com o prêmio?
EP: A pesquisa científica não é feita para o simples deleite do próprio pesquisador. A pesquisa é feita para tudo e para todos que estão além dos muros da Academia. Contribuir com a realidade (cada pesquisa do seu jeito) é fundamental. Ao longo da pesquisa, eu já vinha desenvolvendo outras formas de interação com a comunidade e eu tenho certeza de que o processo foi interessante para ambos. E, quando eu recebi este prêmio da LafargeHolcim Foundation em abril de 2016, em Detroit (EUA) e, posteriormente, outro prêmio em dezembro de 2016, no Cairo (Egito), a pesquisa alcançou um nível inesperado de disseminação.
Esta disseminação é fundamental por três razões principais: primeiro, o fortalecimento e consolidação da pesquisa em si, a partir de discussões, questionamentos, críticas e elogios; segundo, o compartilhamento de conhecimento, visto que algumas destas estratégias desenvolvidas para a favela de Paraisópolis podem ser também aplicáveis a uma comunidade no Recife, ou em Nairobi, ou em Mumbai; terceiro, a possibilidade de inspirar outros pesquisadores, empreendedores e cidadãos a seguir em frente, questionando a ordem vigente e buscando algo que faça a diferença.