As medidas adotadas pelos governos municipal e estadual de São Paulo no âmbito das políticas urbanas da cidade e do estado continuam causando indignação aos associados do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo (SASP). Matérias recentes publicadas no jornal O Estado de São Paulo revelaram uma série de irregularidades na construção da Nova Marginal, como já havia sido denunciado pelos diretores do sindicato. Mais de quinze mil árvores previstas no projeto original como parte da compensação ambiental ainda não foram plantadas. A acessibilidade dos pedestres e ciclistas também foi prejudicada sem nenhuma contrapartida aos cidadãos e a implantação de uma barreira acústica – solução que minimizaria o impacto causado pela intervenção para os moradores e trabalhadores das regiões afetadas – também não saiu do papel. Mesmo assim, o investimento na obra já chega a R$ 1,75 bilhão, 75% a mais do que o orçamento previsto inicialmente.
“O SASP, junto com outras entidades como o Defenda São Paulo e o Preserva São Paulo, se orgulha de figurar entre os opositores dessa loucura. O tempo mostrou que estávamos certos, mas o poder público insiste em cometer o mesmo tipo de barbaridade, agora com a obra do túnel da Avenida Água Espraiada”, indigna-se o presidente da entidade, Daniel Amor. Como cita o arquiteto, os episódios da votação da PL 25/11 das Águas Espraiadas são um exemplo da falta de espaço para o debate democrático. A construção do túnel de 2,3 quilômetros ligando a Avenida Roberto Marinho à Rodovia dos Imigrantes foi duramente questionada pela sociedade civil durante audiência pública realizada no final do mês de julho. Com a mudança na lei de 2001 que criou a operação urbana Águas Espraiadas, que previa a construção de um túnel de apenas 400 metros, milhares de pessoas serão desapropriadas e o valor da obra será multiplicado. “As audiências públicas que tratam dessa intervenção têm sido remarcadas inúmeras vezes para que só sejam realizadas quando a população não esteja presente”, lembra Amor.
Áurea Mazzetti, diretora adjunta da regional Oeste do SASP e membro da Câmara de Arquitetura do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA), lembra que as manobras nas audiências públicas também se estenderam para o projeto da Linha 17 Ouro do metrô, a ser operada por meio de monotrilho e que fará a ligação do aeroporto de Congonhas com a rede metroferroviária. “As audiências públicas aconteceram dentro de Paraisópolis, incluindo a assinatura do contrato com a empresa vencedora da licitação, como se toda a população do Morumbi residisse ali. Isso é, no mínimo, estranho”, observa a arquiteta e urbanista.
Especulação e despejos
Enquanto o desrespeito às normas democráticas continua a dar o tom das políticas públicas adotadas no estado, a especulação imobiliária, setor responsável por uma polpuda contribuição na campanha eleitoral de Gilberto Kassab, avança sem limites. O plano de repasse de terrenos públicos ao mercado imobiliário (a maior parte deles bastante valorizados) em troca de creches a serem construídas na cidade também tem sido alvo de crítica por parte dos diretores. Algumas áreas, como o terreno localizado na Rua Pedro de Toledo, na Vila Mariana (zona sul), e a praça Alfredo di Cunto, na Mooca (zona leste), já estão sendo negociadas como moeda de troca com o setor. O prefeito tenta, desse modo, cumprir uma antiga promessa de campanha um ano antes das eleições de 2012: zerar o déficit atual de 140 mil vagas para as crianças da cidade. “O patrimônio da cidade não pode ser descartado ou transferido para outros simplesmente por causa da incompetência do maior gestor público”, lembra Áurea.
Arbitrariedades durante ações de despejo também têm ocorrido dentro e fora da capital. O advogado Benedito Roberto Barbosa, o Dito, um dos coordenadores da União dos Movimentos de Moradia (UMM), foi espancado e preso enquanto tentava entregar um saco de pão para filhas dos moradores do prédio Alameda Nothmann, na região central da cidade de São Paulo. Durante a ação da polícia militar que cumpria sentença de integração de posse, mais de 200 moradores, incluindo crianças e idosos, ficaram sem moradia.
A brutalidade durante a reintegração de posses não é uma marca exclusiva do prefeito Kassab. O despejo forçado ocorrido no mês passado na Favela da Família, em Ribeirão Preto (SP) também foi acompanhado de perto pela diretoria do SASP. “A mando de um juiz que valoriza mais a terra inutilizada, objeto de especulação no entorno do Aeroporto Leite Lopes, do que a necessidade básica de 300 famílias, os policiais entraram no local, retiraram à força mulheres, crianças, idosos e gestantes e demoliram as casas com tratores. Muitas destas casas ainda tinham objetos pessoais, móveis e eletrodomésticos que não foram retirados a tempo. Muitos moradores foram agredidos e sofreram ameaças de serem presos caso resistissem ou fizessem o exame de corpo delito”, relata Maurílio Ribeiro Chiaretti, diretor financeiro do SASP. “O referido magistrado não considerou o direito urbanístico, o direito à moradia e sequer para onde estas famílias iriam. Pra piorar, ainda paira na cidade a idéia de que a lei foi cumprida. Qual lei? Esse governo, que não destinou R$ 1 para habitação popular, já que as casas populares então construídas são do Minha Casa, Minha Vida e não da prefeitura, pensa que moradia não é um direito, é um privilégio”, completa.
O caso é apenas mais um em uma sequência ininterrupta de violações dos direitos humanos fundamentais à vida e ao bem-estar coletivo ocorrido na cidade. Recentemente, a aprovação de uma lei, apresentada pela prefeitura a toque de caixa, passou a permitir a “regularização” dos loteamentos fechados sem qualquer medida de regularização urbanística e fundiária, sem a consulta do Conselho Municipal de Urbanismo e nem mesmo dos próprios moradores. “Muitos deles não concordaram com essa lei. Ela infringe o Plano Diretor municipal, o Estatuto da Cidade e as Constituições Estadual e Federal”, lembra Chiaretti. De acordo com o diretor, as áreas públicas destes loteamentos serão controladas pelas associações destes loteamentos que, segundo a lei, não poderão impedir o acesso aos bens públicos. “É o que vamos ver!”, espera.
Diante desses casos, a pergunta que fica é: afinal, as cidades têm ou não um Plano Diretor? “A constituição não pode ser rasgada. Felizmente, ainda há muitos profissionais sérios preocupados com as cidades e que lutam por fazer valer os princípios que os levaram a se formar em arquitetura e urbanismo”, acredita Áurea.