Por: Andréa dos Santos, arquiteta e urbanista, presidente da FNA
Este texto tem a pretensão de alertar nossa sociedade para o futuro de nossas cidades a partir do próximo pleito eleitoral. Atualmente, estamos em período de eleições e, no próximo dia 6 de outubro, poderemos exercer nosso direito democrático de escolher as pessoas que estarão à frente do cuidado com os municípios, através do mandatos para o poder executivo – prefeitas e prefeitos e legislativo – vereadoras e vereadores. Mais do que orientar a população a comparecer nos locais de votação e exercerem seus direitos, o que é, sim, muito importante, já que a participação de todas e todos nessa escolha é essencial, queremos reforçar a importância dos candidatos que serão eleitos levarem para dentro dos seus quatro anos de mandato a preocupação com as cidades. É nosso dever enquanto cidadãos, defender propostas progressistas do ponto de vista do desenvolvimento das cidades, cobrar dos agentes públicos o compromisso e a implementação de ações que visem essencialmente o bem estar da população e um ambiente equilibrado, saudável e justo.
Os últimos anos e em especial o ano de 2024 vêm sendo de muitos desafios para as cidades brasileiras. Estamos no enfrentamento da crise climática, sofrendo com grandes quantidades de chuva, enchentes, calor extremo, queimadas que chegam a afetar todo o país, resultando em problemas físicos, sociais, econômicos e emocionais imensuráveis. Precisamos entender que se as nossas cidades não mudarem, evoluírem e se prepararem, não estarão em condições de enfrentar esses eventos. O poder público não pode ficar alheio ao que acontece nos territórios e necessita compreender que, por exemplo, a ocupação espontânea sobre áreas inadequadas e que, em via de regra, são altamente atingidas pelos desastres climáticos, é resultado de um processo econômico e social excludente ao longo de anos, mas também de uma grande incapacidade institucional e isso significa mais famílias que sofrem, que perdem seus entes queridos, seus bens, suas histórias. É a saúde e o bem estar da população que sofre com tudo isso também, mas ainda temos uma perda de direitos enorme que se clarifica muito em cada intercorrência que acomete nossas cidades, nossos territórios. Seja por efeitos decorrentes das mudanças climáticas, seja por efeitos ocasionados pela transformação do homem e pela permissividade da gestão pública que impulsiona o crescimento desordenado.
Infelizmente, acreditamos que o planeta chegou em um ponto que já não possui retorno. Um relatório divulgado em 2021 pela Organização das Nações Unidas (ONU) apontou que a crise climática é “irreversível e sem precedentes”, mas ainda dava tempo de mudar o futuro. Porém, o que foi feito para mudar o futuro? A exploração excessiva por parte humana não cessou, bem pelo contrário, os meios de produção continuam pautando um desenvolvimento em desequilíbrio, o que nos leva a acreditar que esses eventos climáticos que estamos presenciando ao longo dos últimos anos devem seguir. E as nossas cidades, como ficam? Como reconstruir municípios e vidas a cada curto período de tempo?
Essa é uma reflexão necessária a todo instante e por isso nos propomos a fortalecer este debate junto a nossa sociedade. A Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), para além da defesa dos direitos do trabalho dos profissionais de arquitetura e urbanismo, tem entre suas principais bandeiras a defesa das cidades e das populações que nelas habitam, da moradia adequada e do desenvolvimento urbano equilibrado e está ciente do papel social exercido pelos profissionais de arquitetura e urbanismo na construção de espaços seguros e habitáveis, tanto na atuação privada, quanto no setor público.
Essa reflexão nos dá a certeza de que as cidades precisam ser preparadas para o futuro. Elas precisam ser planejadas e cuidadas, O planejamento territorial é indispensável para que tenhamos uma cidade pronta com base em um desenvolvimento equilibrado dos diferentes setores produtivos daquele local, que considera também as potencialidades das comunidades locais como estratégia para o desenvolvimento, modernidade e gestão do território.
Assim, para que os municípios brasileiros possam se preparar para enfrentar os desafios de um desenvolvimento baseado nas transformações imediatas que sofrem, a exemplo dos eventos climáticos ou a expansão desordenada dos centros urbanos, que afetam majoritariamente a população periférica é necessário que o poder público entenda a urgência de uma agenda séria e comprometida com a sociedade brasileira, a criação ou o fortalecimento de estruturas administrativas específicas e com a contratação de profissionais qualificados para montarem planos e estratégias de contingência, de planejamento e de controle. Não é justo que a população, principalmente a parcela menos favorecida, siga sofrendo com as consequências das alterações climáticas, pela falta de moradia que se agrava com os desastres ambientais e pelos danos sociais e econômicos que decorrem disso. É preciso que nossas cidades estejam preparadas, que as políticas públicas sejam pensadas e executadas para o adequado enfrentamento das diversidades impostas, que tenhamos o compromisso para o fortalecimento de uma cidade resiliente, protegida, sustentável, equilibrada, acessível e inclusiva para toda a sociedade.
Os agentes políticos precisam se comprometer com a proteção das nossas cidades. É preciso pensar as políticas públicas e ações de desenvolvimento dentro de um ambiente de aprendizado de forma que seja possível a adaptação das nossas cidades às mudanças do ambiente, perceptíveis no desenvolvimento dinâmico das nossas cidades e tudo o que a coloca em transformação.
É responsabilidade do poder público viabilizar uma gestão responsável com o meio social, econômico e cultural do município, com a responsabilidade de propor alternativas mitigadoras e de desenvolvimento harmônico, equilibrado e sustentável, incorporando características ambientais, sociais e econômicas, manter o nível de igualdade de oportunidades e de acesso a bens e serviços, além das relações sociais, políticas e culturais da comunidade, garantindo a articulação e respeitando a diversidade em busca da igualdade e da incansável luta pela ampliação da qualidade de vida e da sustentabilidade. Não incorporar esses aspectos no processo de discussão, torna inviável qualquer ação que visa preparar nossas cidades para o enfrentamento dos problemas, não apenas os decorrentes da falta do planejamento, mas, principalmente, pelas alterações climáticas que estão incidindo sobre nossos territórios e, para os quais, comprovadamente, nossas cidades e a própria administração municipal não está preparada para enfrentar. Claro que nossas cidades devem ser pensadas concretamente e dar respostas efetivas às necessidades básicas e essenciais da população, desde os serviços públicos essenciais, mobilidade e transporte, saneamento básico e ambiental, passando pelo desenvolvimento do território (urbano e rural), do patrimônio edificado e urbanístico e garantindo sempre a moradia digna e de qualidade.
O que aqui estamos apontando é que os agentes públicos devem estar preparados para o planejamento da estrutura física da cidade, mas também extrapolar para um processo integrado da instância de percepção do desenvolvimento humano.
Por óbvio que este debate não se esgota nesses princípios, mas o que aqui pretendemos é deixar claro o fundamental papel da arquitetura e urbanismo no processo de desenvolvimento das nossas cidades. Nos últimos anos, e com mais força recentemente, a temática da prevenção, proteção e reconstrução das cidades vem sendo muito abordada. A importância de promover Cidades Resilientes, tema que ganha força constantemente, é manter viva as nossas reflexões e questionamentos sobre a cidade que temos para garantir junto ao poder público a cidade que queremos, como elas estão sendo preparadas e qual a nossa contribuição enquanto sociedade. De fato nossas cidades estão preparadas? Elas se encaixam nesses padrões? E quem deve trabalhar para alcançar estes padrões de cidades fortes?
Por esse motivo, a FNA busca mais do que orientar a população a ser consciente do seu voto, mas falar diretamente com os candidatos o que se quer para o compromisso deles com a coletividade. Precisamos abraçar essa causa que é (e deve ser) de todos nós. Poder público, categorias profissionais e a sociedade precisam, juntos, trabalhar para que, no futuro, nosso país esteja pronto para lidar com essas mudanças climáticas que, como já vimos, são reais. As cidades para o futuro se fazem no presente.