Arquitetura rara para todos

A arquiteta e urbanista Juliana Betemps sempre foi inquieta. Ainda criança, percorria as ruas de Pelotas, cidade histórica no interior do Rio Grande do Sul, como uma exploradora, desvendando fachadas, suas histórias e esbanjando-se na beleza das antigas construções. Como a popularmente conhecida Igreja Cabeluda, construção gótica tomada por trepadeira, e o aclamado Museu da Baronesa, casarão responsável por nutrir a imaginação dessa jovem gauchinha com histórias de amor e arquitetura.

Apesar de ter nascido em Guaíba e passado a infância na Região Metropolitana de Porto Alegre, foi nas andanças pelas ruas cravejadas de pedras portuguesas típicas da terra natal de seus pais, que ela descobriu o gosto e a força da história na arquitetura. Paixão que, anos mais tarde, a conduziu à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), instituição responsável pela fundamentação teórica que a guiou para a atuação com preservação do patrimônio histórico. Ao lado da colega e amiga Cristiane Rauber, ela deu vida à Escaiola – Arquitetura Rara, empresa na qual se dedica ao restauro e manutenção de prédio antigos, muitos deles que carregam em si parte da história da imigração que deu origem ao povo gaúcho.

Atualmente residindo em Carlos Barbosa, na Serra Gaúcha, ela também dedica-se ao crescimento de sua categoria profissional. Há seis anos, é diretora da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), entidade onde milita por condições dignas de trabalho para todos. A valorização da profissão também foi uma bandeira durante o período que trabalhou na Prefeitura de Carlos Barbosa, cidade que a acolheu há mais de 20 anos. De acordo com ela, “lidar com patrimônio sempre foi muito familiar, desde o início da formação”, e o espaço cedido pela Prefeitura foi essencial para sua estreia no restauro. Ao lado dos colegas e em uma estradinha isolada de Carlos Barbosa, o projeto de reparo da Capela de Santo Antão Abade do Forromeco foi sua primeira participação.

Na Escaiola, o foco é oferecer soluções completas em patrimônio cultural e atuações planejadas, tudo costurado lado a lado com os clientes. A iniciativa sempre prezou por projetos de arquitetura, produção cultural, gestão e desenvolvimento de restauro, além de conservação, consultorias e oficinas para o público leigo e o especializado. “A valorização e conservação da tradição local é essencial para a formação de identidade de um povo e o planejamento futuro de uma cidade”, destaca.

Por meio de estudos e inventários, a empresa procura contribuir para a produção de conhecimento a respeito da importância do restauro e da conservação do patrimônio. “Nosso objetivo é deixar um legado na memória das edificações e comunidades”, sintetiza Juliana. As oficinas sobre o trabalho e a formulação de publicações voltadas à temática também são algumas das ações executadas pela profissional. “Conscientizar as pessoas sobre a importância do seu patrimônio local é uma maneira de valorizar as cidades e dar espaço para as mesmas descobrirem um pouco mais das suas próprias histórias”.

Um dos feitos da Escaiola nos últimos anos foi o Projeto Arquitetura Rara – Intercâmbio Cultural. Iniciado em 2018 e continuado após a pandemia, ele consistiu em iniciativas de fomento e divulgação do patrimônio cultural brasileiro. Uma das ações foi a produção de um curta-metragem dirigido pelo cineasta Boca Migotto, que mostrou o potencial escondido pelo Brasil. Para Juliana, iniciativas como essa, que desbravam o território nacional, são fundamentais. “As pessoas viajam para outros países e acham prédios, residências e diversas outras construções lindas, mas, quando voltam, destroem imóveis antigos e herdados, sem imaginar a importância histórica para sua própria cultura”. 

A empresa ainda exerce um trabalho de convencimento e diálogo sobre patrimônio ao lado de gestores e conselhos municipais. “É sempre muito difícil, dentro de orçamentos tão apertados, o convencimento sobre a necessidade de ações voltadas à preservação do patrimônio. Além disso, o desconhecimento do valor da própria história, nos faz perder exemplares importantes a cada dia. Nosso trabalho visa desmistificar o assunto restauro e apresentar caminhos possíveis”, destaca.

Casada e mãe das meninas Luana e Bibiana, Juliana sabe o valor de sua história. Objetiva e afetiva, valoriza o tempo que tem com os seus e faz questão de estar ao lado da família sempre que pode. É com o marido que divide as paixões por viajar e, ao mesmo tempo, pelo sossego do sítio, onde desacelera para dar ouvidos a uma Ju que, apesar de amar as construções, também sabe admirar o vazio.

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