Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo nesta segunda-feira (06/4).
Valeska Peres Pinto*
Muitas são as manifestações e análises em períodos de crise, como aquele em que vivemos. Os sanitaristas e epidemiologistas estão trabalhando em diversos níveis, desde o
conhecimento da dinâmica desta epidemia como as estratégias de combate, envolvendo muitos procedimentos – desde o isolamento social até a quarentena.
Mas aqui não pretendo tratar deste aspecto do problema. Meu olhar se volta para um fenômeno que assumiu proporções crescente em nossa sociedade – a mobilidade urbana – e seus impactos na disseminação da epidemia. Até o presente momento estamos trabalhando com hipóteses cujos resultados só serão avaliados posteriormente.
A redução drástica dos deslocamentos de pessoas já é realidade nas grandes cidades brasileiras. O setor de transporte público já opera com baixa demanda, as viagens
intermunicipais e interestaduais já estão reduzidas e as aéreas limitadas ao mínimo para não impedir os deslocamentos necessários de pessoas envolvidas no processo
de enfrentamento da crise e para o transporte de insumos necessários.
significativas, a formalização do trabalho doméstico e das cuidadoras de idosos, trouxe muitas delas para o transporte público principalmente pelo acesso ao Vale Transporte.
Os segmentos da população de baixa renda já vivem em regime de isolamento, quando nos referimos à mobilidade urbana. As viagens de lazer nos finais de semana requerem um esforço suplementar que pode significar a falta de recursos no final do mês. Iniciativas de tarifa zero nos domingos têm sido exitosos, pois permitem às famílias deslocarem-se para visitar parentes, parques e outros atrativos de qua são carentes a maior parte dos bairros populares.
Segmentos de alta e média renda que não vivem em regime de necessidade, ou seja, possuem reservas financeiras de emergência ou podem recuar para as suas casas e
continuar trabalhando à distância (home office); o isolamento social pode ser enfrentado com relativo conforto. Muitos até lembrarão deste período de forma positiva, visto que
estão economizando tempo gasto nos congestionamentos de trânsito e dispondo de mais tempo para o convívio com a família, diretamente ou através dos canais da internet.
Esta situação contrasta totalmente com a situação das parcelas de baixa renda, principalmente nas grandes cidades e regiões metropolitanas. Além da perda de salários ou
outros ganhos, a grande maioria desta população carece de infraestrutura urbana para a qual recuar. Tais condições já são conhecidas, são tratadas em estudos acadêmicos e pautas de luta das organizações sociais e comunitárias. Colocá-las em destaque pode ser importante para o futuro.
mobilidade urbana é necessário tanto como levar insumos e apoios a parcelas significativas da nossa sociedade para os quais a mobilidade urbana ainda é um item caro e de difícil acesso. Ou seja, devemos estar abertos não só à hipótese de recrudescimento das medidas de isolamento ao longo da epidemia como começar a reduzir as restrições de forma gradual para que o remédio não tenha efeitos piores do que a enfermidade.